terça-feira, 8 de março de 2022

DUAS MULHERES E UM DESTINO

No dia internacional das mulheres rendo minhas homenagens à duas brasileiras, infelizmente relegadas ao esquecimento em nossa história oficial.

A primeira, Ana Preta, de quem tudo o que se sabe é que foi humilde prostituta no bordel da Dadaça, ali na rua da Alegria, antiga São Miguel e hoje Dr. Paulo Pontes. E mais, quando da passagem por Uberaba das tropas brasileiras com destino à Guerra do Paraguai, ela não pensou duas vezes e escolheu seguir seu companheiro no trágico destino que a aguardava.

A segunda, Jovita Feitosa ou “Joana D’Arc brasileira”, cearense de Tauá, nascida em 8 de março de 1848 e cujo nome verdadeiro era Antonia Alves Feitosa, ficou conhecida como a primeira mulher a tentar se alistar em nossas forças armadas.

Ana Preta atuou como enfermeira acudindo e socorrendo os inúmeros soldados feridos. Chegou mesmo a entrar em combate, conforme o testemunho ocular do escritor Visconde de Taunay em seu célebre “Retirada da Laguna”. Sobre ela também nos fala Paulo Fernando Silveira em seu “Sertão da Farinha Podre: Uberaba na Guerra do Paraguai”. Mais recentemente, novo relato: “Ana Preta – Histórias de Minas”, em livro de João Batista Londe.

Jovita, depois de recusada e ridicularizada, travestiu-se de homem, vestiu farda e, como sabia atirar, foi aceita no corpo de “Voluntários da Pátria”. Descoberta a farsa foi denunciada, levada a uma delegacia e desligada, já na patente de sargenta. Chegaram a lhe oferecer para atuar como enfermeira, não aceitou. Preferiu voltar pra casa. Seu pai porém, ante tal “desonra”, não a quis de volta. Sem alternativas, retornou ao Rio de Janeiro, onde acabou se prostituindo. Amasiou-se com um engenheiro do País de Gales, Willian Noot, mas dele em breve receberia uma carta de despedida informando-a de seu retorno à terra natal. Inconformada, desiludida, prefere dar fim a própria vida. Ao lado do corpo foi encontrada singela carta de despedida: “Não culpem minha morte a pessoa alguma. Fui eu que me matei. A causa só Deus sabe”.

De ora em diante recuso-me a repetir o dito “Uberaba, terra madrasta”, pois ante lamentável omissão histórica prefiro qualificá-la como terra “padrast(a)”, já que não vejo mulheres se prestando a esse ingrato papel.

Moacir Silveira

domingo, 6 de março de 2022

SANGUE, SUOR e LÁGRIMAS


Em terras do Zebu, logo me indaguei: quem seria esse Guia Lopes? Pensei tratar-se de guia de gado. Ledo engano.
José Francisco Lopes, seu verdadeiro nome, estava posto em sossego em sua bela Fazenda do Jardim, MS, bem próxima da fronteira com o Paraguai, quando o maior conflito da América Latina eclodiu.

Imagens: 1 e 6 (Placa e Rua Guia Lopes – fotos: Antonio Carlos Prata);
do Google: 2 – Guia Lopes e Fazenda onde nasceu); Os filhos, todos com o sobrenome Lopes, em 3 – os mais novos: Pedro José, José Francisco e Bernardino Francisco; o mais velho: 4 – João José; e 5 – o do meio Pedro José

Natural de São Roque de Minas, distrito de Piumhi, aqui na Serra da Canastra, ali nasceu em 26/2/1811 e hoje é considerado o maior herói no trágico episódio da Retirada da Laguna, da Guerra do Paraguai.

Em sua bela propriedade rural no Mato Grosso do Sul dedicava-se à pecuária extensiva, ao lado de irmãos, filhos e cunhados. Graças à isso tinha profundo conhecimento da região.
Bem no início do conflito, em 1864, teve esposa e 4 filhos presos por tropas paraguaias e levados àquele país.

Tomado por sentimento de vingança alista-se como voluntário nas tropas que chegavam ao MS e que haviam passado por Uberaba, cidade onde foram reunidos os contingentes vindos de Ouro Preto e Rio de Janeiro.

Mas o inimigo, adotando tática de ‘guerrilha’, não facilitou sua empreitada. Recuaram, destruíram tudo o que ficava para trás e não deixavam gêneros que pudessem ter utilidade à nossa tropa.

Foram dias de muito sangue, suor e lágrimas. Inimagináveis na história dos grandes conflitos mundiais. Agruras que só os bravos são capazes de suportar. Luta corpo a corpo na base do sabre, espada e pesadas balas de canhão. Em cargas rápidas de cavalaria capazes de fazerem levitar, em pontas de afiadas lanças, os corpos dos que ousavam enfrenta-las. Espetáculo dantesco de corpos estrebuchados. Some-se a isso fome, pestes e torturas aos que caiam em mãos inimigas. Pior ainda, o ambiente não era favorável. Quando chovia era charco pesado e pantanal intransponível. Quando sol escaldante, capinzal propício ao fogaréu, fumaça e sufoco, que os paraguaios exploraram à larga.

À falta de mantimentos o nosso Lopes não hesitou, colocou à disposição o gado de sua propriedade, que para alimentar a tropa era abatido, em média, 40 cabeças por dia.
Acossados pelos inimigos, com fome, vitimados por epidemia de cólera, a maltrapilha tropa alcança nossa fronteira, onde Lopes, também vítima da doença, luta até o último dia de sua vida, vindo a morrer às margens do rio Miranda, onde está enterrado, em terras de sua propriedade, em solo de seu amado rincão.

Dos mais de 3.000 soldados brasileiros, só 700 sobreviveriam. Não fosse o heroico feito de nosso Guia, talvez nem isso. Além de Lopes, o conflito tirou a vida de 2 de seus filhos e de um cunhado.
Seu nome é merecidamente lembrado em escola (BH), em ruas (Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre...), avenida (Uberlândia), dá nome a município no Mato Grosso do Sul e a centenas de outros logradouros e prédios públicos Brasil afora.

E hoje quando ouço nosso hino nacional, comovido, sempre nele penso, principalmente nos versos:
.... “Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada Brasil”, ao que mentalmente acrescento: - e que esse solo lhe seja leve e amável, sob terras e flores de sua querida Fazenda Jardim.

Moacir Silveira


OBS: Para maiores detalhes sobre essa epopeia sugiro leitura das obras de Taunay, testemunha ocular dos fatos.

PAPO DE BOLA

Em matéria esportiva Uberaba foi a 1ª. cidade do interior do Estado a contar com um moderno estádio de futebol e uma equipe de craques responsável pela apresentação do programa "Papo de Bola" do recém inaugurado Canal 5, TV Uberaba, em 1972.

Imagens: 1 – Ramon Rodrigues, Luiz Gonzaga e Netinho (acervo Uberaba em Fotos);
 2 – Jorge Zaidan (TV Uberaba) e Fernando Sasso (TV Itacolomi).

O programa contava com apresentação de Luiz Gonzaga, Ramon Rodrigues, Ataliba Guaritá, o popular Netinho, e dos irmãos Jorge e Farah Zaidan. Por ele passaram os mais ilustres convidados, dentre os mais importantes jogadores, dirigentes, técnicos, torcedores e figuras representativas do mundo esportivo.
Vale lembrar que naquela época em todo o Brasil existiam apenas quatro narradores em atuação na TV brasileira, a saber: Fernando Sasso (BH), Walter Abraão (SP), Carlos Lima (RJ) e Luiz Gonzaga (Uberaba).

E o pioneirismo não parou por aí. Como parte importante na integração da Rede Tupi o apresentador Luiz Gonzaga foi escalado para fazer a 1ª. transmissão via satélite do país, narrando o jogo entre Corinthians Paulista x Nacional de Manaus, e que ocorreu em 24/9/72 naquela cidade.

Quatro anos após a inauguração do Uberabão, em 1976, o Uberaba Esporte conquistava vaga no Campeonato Brasileiro, coroando assim a liderança da cidade em matéria esportiva.

Moacir Silveira

JORGE & FARAH ZAIDAN

Os irmãos Jorge e Farah Zaidan nasceram em Ituverava, SP. Jorge em 10/10/1928 e Farah em 9/5/1930. Os pais, Habib Zaidan e Salma Jorge Zaidan, vieram do Líbano, em 23/11/1923, provenientes da cidade de Kashua e diretamente para o interior paulista. Em 1944 a família transferiu-se em definitivo para Uberaba.

Jorge e Farah Zaidan - 
Foto: Uberaba em Fotos.

Jorge Zaidan concluiu curso de técnico em contabilidade, formou-se em odontologia e em direito, foi gerente local e regional da Minas Caixa, locutor esportivo na PRE-5, jornalista do O Triângulo, redator-chefe no Correio Católico, gerente da Rádio Difusora, sócio fundador da Rádio 7 Colinas, diretor e apresentador na Tv Uberaba e professor universitário na antiga Fista, bem como diretor social dos clubes Uberaba Tênis e Sírio Libanês.

Farah Zaidan trabalhou e aposentou-se como funcionário dos Correios e foi também cronista nos jornais Correio Católico e Lavoura e Comércio, narrador, apresentador e comentarista da Tv Uberaba e nas rádios Difusora, PRE-5 e Sete Colinas, sendo nessa última um dos sócios fundadores.
Jorge Zaidan faleceu no dia 5/7/1996 deixando viúva, 5 filhos(as), 12 netos e 8 bisnetos. Já Farah Zaidan faleceu em 23/6/2002 deixando viúva, 2 filhos, 4 netos e 1 bisneto.

Tive a felicidade de conviver e trabalhar com os dois, ambos extremamente gentis, educados e afáveis no trato, versáteis e hábeis comentaristas nos programas que participavam.
Deles guardo boas lembranças, da época em que fomos colegas na Tv Uberaba. Do jeito calmo e sem alardes no trato com as pessoas. No profícuo exemplo de suas existências. Até parece que tinham por lema o célebre dito de Bob Marley:

“Não viva para que sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida.”
Figuras humanas como os irmãos Jorge e Farah Zaidan fazem muita falta em tempos de insensatez, loucura e estupidez como os ora vividos em nosso país.

Moacir Silveira

TV UBERABA

Em 1972, quando da inauguração da TV Uberaba, havia 64 estações emissoras de televisão em todo o país. A maioria delas se limitava a retransmitir a programação dos três maiores grupos geradores, a saber: Tupi, Globo e Record.

Como emissora integrante da Rede Tupi, o Canal 5, Tv Uberaba, apresentava, em seu horário nobre, uma grade de programação com as novelas, programas e filmes de grande sucesso e audiência naquela época. Clique no vídeo:
e confira.

Moacir Silveira

Clip com a programação.

JANELA FECHADA

Ontem, ao descer da igreja dos Dominicanos após a Missa do 1º. Mês do falecimento de minha mãe, senti uma tristeza profunda ao ver a casa dela, toda fechada, luzes apagadas, tudo escuro... Lembrei-me da sua figura meiga, ali no alpendre, esperando pelos seus quando terminava a Santa Missa...

Ataliba Guaritá Neto e Niza Marquez Guaritá -
Foto Acervo Uberaba em Fotos.

Desde quando me casei, morei ao lada da sua casa. Durante os 40 anos, ela ficou me vigiando pela janela da sala. As pernas poderiam até doer, mas eram fortes de amor para suportar a vigília. De pé, ela ficava horas e horas guardando minha chegada. Quando meu carro apontava, ela se afastava e se escondia atrás da veneziana, para não ser vista. Isto porque sempre impliquei com sua permanência, durante tanto tempo, ali na janela da fiscalização... Exatamente: ela fiscalizava meus passos, onde fui, quando voltei, porque demorei... Hoje confesso, tenho saudades disto tudo.

Certa vez quando “descobri” que ela estava escondida atrás da janela, observando-me pelas frestas, como menino que roubava chocolates, disse-lhe como advertência: “A senhora está com os pés inchados porque quer... Não precisa se esconder aí atrás da janela, antes de entrar em casa prometo que darei um pulo até aí”... Mas não adiantava a promessa, ela permanecia horas e horas, vigiando a entrada do meu carro na garagem...

Agora, mais do que nunca, vejo com tristeza aquela janela fechada... Ontem, 31 dias depois que ela se foi tive vontade de abrir a janela, quem sabe Deus não me daria o prêmio de colocar ali a sua silhueta, a figura meiga, dócil e carinhosa de uma mulher que só cometeu um pecado em sua vida: amou demais o seu filho.

Ataliba Guaritá Neto
(Crônica do Netinho – em Observatório do Galileu – jornal Lavoura e Comércio – 1/9/1988)

sábado, 5 de março de 2022

DOAÇÃO HISTÓRICA

Na condição de legítimos donos de uma gleba de meia légua quadrada (equivalente a 2.500 m2) bem na região central do vilarejo eles resolveram fazer, de livre e espontânea vontade, uma “doação ao Senhor Santo Antônio e a São Sebastião para patrimônio de Sua Igreja e ao procurador que houver dos referidos Santos, aos quais cedemos e traspassamos todo o domínio que até aqui tínhamos. E por firmeza de tudo aqui fica expressado, e por eu não saber ler nem escrever somente me assino com uma Cruz sinal de que uso e pela dita mulher assina a seu rogo...” e de tudo mandaram lavrar registro no livro da paróquia.

Rua Tristão de Castro. Foto: Uberaba em Fotos.

E foi assim que Tristão de Castro Guimarães (assinado com uma cruz) repassou o terreno onde hoje se encontra a Igreja Matriz de Uberaba e toda a sua área adjacente.
Por esse nobre gesto é que um dos principais logradouros públicos da cidade leva o seu honroso nome: Rua Tristão de Castro.
Essa importante manifestação de vontade faz parte do livro de registros da paróquia, datado de 28/12/1812, trazendo as respectivas assinaturas em cruz e a rogo, com a identificação das testemunhas presentes ao ato.

Moacir Silveira

quinta-feira, 3 de março de 2022

Fábrica de Macarrão Espéria.

Inaugurada em 1925, pelo imigrante italiano Francisco Pucci, tornou-se numa das empresas de maior sucesso da região. Localizava-se na rua Arthur Machado. Também nessa época surgiram as primeiras fábricas destinadas a beneficiar arroz.

É importante salientar que até essa data o arroz não fazia parte da culinária brasileira. Contudo, com a imigração japonesa, foi introduzido no cotidiano, ao mesmo tempo em que começaram a surgir as primeiras fábricas para beneficiar a produção.

Em 1900 foi instalada a máquina de beneficiar arroz pelo imigrante italiano Augusto Buchianeri, cônsul italiano, e a Sétimo Bóscolo.

Localizava-se na rua Marquês do Paraná. Em 1939, a Fábrica Irmãos Prata também beneficiava arroz. Estabelecida na rua São Benedito 47, es- quina com a rua José de Alencar, pertencia aos irmãos Prata:
Tiago de Sene Prata e Valdrovaldo Sene Prata.

Os primeiros sacos de arroz beneficiados foram distribuídos para as principais casas de caridade de Uberaba: Asilo São Vicente de Paula, Santa Casa de Misericórdia, Leprosário do Alto da Abadia, Casa da Criança, Asilo Santo Antonio e Asilo dos Dementes. Havia também comércio de varejo de cereais, gêneros secos e molha- dos, possuindo ainda um grande armazém de artigos.” (LC. 4 de julho de 1938. p.1).

DESTINOS CRUZADOS NAS ESQUINAS DA VIDA

Estranhos são os caminhos da vida e esses dois não poderiam imaginar que teriam destinos cruzados.O da esquerda nasceu em Visconde do Rio Branco, MG, em 1949. O da direita em Uberaba, em 1955. Aquele, aos 2 anos, acompanhou os pais em mudança para a capital mineira. O outro chegou a morar em Araguari, mas passou maior parte da infância e juventude aqui em Uberaba. Ambos, embora em cidades distintas, tiveram vidas parecidas. Jogaram bola, soltaram pipas, rodaram pião e quicaram biroscas. Coisas de criança.

O pai do primeiro tocava saxofone na banda da PM e na Orquestra Sinfônica de BH. Na época, tinha por colega um jovem violinista de raro talento e sensibilidade. Tanto que, anos depois, granjearia fama internacional. Entusiasmado o pai resolve contratar violinista para o menino. Perdeu-se tempo e dinheiro. A criança não teve empatia com o instrumento. Queria mesmo é voltar a brincar. A mãe, insatisfeita, vendo o moleque naquela vida sem proveito e futuro, não teve dúvidas: não quer aprender música, então vai trabalhar.

Imagens: - no topo e ao centro, maestro Benito Juarez;
 - colunas da esquerda: Moacir Silveira e da direita: Jeziel Paiva.

Assim, aos 14 anos, ele começou como office-boy, passou por três empregos até conseguir, aos 17 anos, uma vaga de escriturário na TV Itacolomi de Belo Horizonte. Aos 19 anos já era diretor de tv e em 1972 recebe convite para o cargo de supervisor artístico da TV Uberaba. Paralelamente, gradua-se em direito, é contratado como professor e assessor de comunicação social pela então FIUBE. Em 1989, muda-se para Brasília, participa da fundação e ministra aulas no IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos). Em 1992 é aprovado em concurso do TJMG e, como juiz de direito, passa pelas cidades de Corinto, Três Marias, Morada Nova de Minas, Guaxupé e Governador Valadares. Aposentado volta a morar em Uberaba.

Já o jovem uberabense, tomado de amores pelo violino, quis aprender a tocar quando ainda criança. Sua mãe até tentou professor particular. Era preciso ter o instrumento. Sonho adiado. Anos depois consegue vaga no Conservatório. Ainda adolescente começa a trabalhar na rádio 7 Colinas e, aos 16 anos, na TV Uberaba. Resolve dedicar-se exclusivamente à música e não perde tempo. Em 1976 e anos seguintes tem marcante participação nas Orquestras Sinfônicas de Ribeirão Preto, Brasília e Salvador. Em Campinas recebe aulas de regência com o consagrado maestro Benito Juarez. Com quem? Benito Juarez! Sim! Aquele que, na década de 1950, na capital mineira, serviu de modelo e inspiração ao colega saxofonista.

Nessa história de destinos cruzados falo por mim e admito, não senti qualquer atração pelo violino, mas, à despeito disso, apurei ouvidos e sensibilidade e adoro música. Tanto assim que virei Youtuber musical com quase 350 mil seguidores e mais de 121 milhões de visualizações.

Agora, em relação ao meu particular amigo e maestro Jeziel Paiva, dispenso-me de maiores comentários, pois seu inegável talento como músico, maestro e professor falam por si.
E hoje, com os destinos cruzados pelos “Bailes da Vida”, nós dois podemos invocar nossos ídolos de juventude e do “Clube da Esquina” e com eles cantar:

“Com a roupa encharcada e a alma / Repleta de Chão / Todo artista tem de ir aonde o povo está / Se foi assim, assim será / Cantando me desfaço, não me canso / De viver nem de cantar”

Moacir Silveira

SE A RUA FOSSE MINHA

Só posso imaginar as agruras enfrentadas pelos os que aventuravam por incultos sertões desse nosso imenso país. Principalmente nos idos 1807 quando para aqui chegar era preciso enfrentar a precária estrada que ligava São Paulo a Goiás.

Uma canastra, poucos pertences, um mosquete por arma de caça e defesa, uma mula, as vezes um carroção, era o possível aos que ousavam. E tinham muito chão pela frente. Muitas vezes abrindo espaço à facão e enfrentando índios sempre à espreita. Era preciso coragem e precaução. Deixar roçado na retaguarda, amoitar viveres pelo caminho, pois era incerto o retorno. Um fardo de farinha assim depositado mofou, apodreceu e o lugar ficou conhecido por “Sertão da Farinha Podre”.
Foi assim que muitos vieram dar no Desemboque, então próspero vilarejo. Todos em busca de riquezas, captura índios para o árduo trabalho ou para catequese.

Imagens: 1 - Estátua de Major Estáquio; 2 - Rua em 1930
 - Uberaba em Fotos; 3 - Rua como vista hoje - Google.

Munido desse intuito e propósito foi que o sargento mor Antonio Eustaquio da Silva, aos 51 anos de idade, resolveu embrenhar-se pelo sertão. E o fez depois de oficialmente designado pelo Marquês de São João de Palma (Portaria 27/10/1809), digno governador da Província e Julgado, maior autoridade à época.

Isso ocorreu em início de julho de 1810. Juntou ele provisões e gêneros. Formou bandeira de 30 homens e empreendeu a sua longa jornada. Dois anos depois, em 1812, vieram ter em local aprazível, às margens do Rio Uberaba, junto à estrada de Goiás e onde ele edificou sua primeira residência (hoje Fazenda Modelo). Bem ali iria florecer uma grande cidade que em apenas 8 anos já contaria com 1.300 habitantes. O resto é história.

Prestando honras ao pioneiro e fundador dessa cidade uma estátua sua foi plantada bem na Praça Rui Barbosa. Pertinho dali um logradouro leva o seu nome: Rua Major (maior) Eustáquio, que eu, parodiando trovinha popular, ousaria assim louvar:
Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava eu mandava lajotar
Para honrar e melhor prestigiar
A memória do fundador do lugar

Moacir Silveira


quarta-feira, 2 de março de 2022

AVENIDA LEOPOLDINO DE OLIVEIRA, QUE VIROU SAUDADE.

Avenida Leopoldino de Oliveira -
Anos 50/60 - Foto: Acervo Uberaba em Fotos.

Sem demagogia: esta foto de trecho da av. Leopoldino de Oliveira, com uma deslumbrante parcial da ACIU, do Grande Hotel, da passarela e do centro, feita, nos anos 50/60, a mureta do córrego, e pensar que essa bela avenida se transformou em algo totalmente sem beleza ou vida, sem arborização, cercada de grades em desarmonia com o local, isso não se justifica, pelo menos para mim. Há pouco, é uma das causas do meu ilimitado amor por Uberaba. Amor que aumenta o grande desconforto que sinto pela forma como vem sendo tratada, ao longo de décadas.
Antonio Carlos Prata.

SAUDADE

Mário Palmério - Foto/Reprodução.

O registro histórico informa que, a convite do então presidente Jango Goulart, Mário Palmério assumiu a embaixada do Brasil no Paraguai. Já no ano seguinte uma nota na coluna de Carlos Swann, no jornal O Globo, traz a notícia do grande sucesso que a canção estava fazendo no país vizinho. Sua inspiração é recheada de lendas que o próprio compositor cuidou de incentivar. Em entrevistas o próprio autor informou que compôs esta guarânia quando fora indagado sobre o significado da palavra saudade. Uma das versões mais calientes falam de um boêmio Mário Palmério acompanhado por duas ou três "muchachas desnudas enquanto dedilhava... entre um beijo e outro... si insistes em saber... ay lo que és saudade... uma música para cada mulher... no digas no... antes que tu me digas primeiro... déjame hablarte... y confesar cuánto te quiero...". Verdade ou mito o certo é que esta canção terna, suave e sedutora, cantada em espanhol ganhou o mundo, o resto é história.

O CASARÃO

O belo casarão, datado de 1863 e antes pertencente à família de João Batista Machado, situado na esquina da Praça Rui Barbosa, teve múltiplos usos ao longo do tempo.
Primeiramente, antes da construção do seu segundo piso, ali funcionou o estabelecimento comercial da família. Em 1891 ele foi reformado pelo português Manoel Marinho, a pedido de Edmundo Batista Machado. Na sequência vieram, pela ordem: Loja Au Bom Marche (1904), Au Louvre (1909), Barbearia do Altino (1950), Salão Continental, Bar 1001 (1970/80), Apetrim, Jet Color, Iguatemi, Fotótica, Ótica Fotóculos.


Imagens: 1 – estabelecimento comercial (até 1891), 2 – sobrado (em 1906), 
APU - Arquivo Público de Uberaba e 3 – em foto atualizada (2022) por Antonio Carlos Prata.


Já o piso superior serviu de residência para Artur Machado e depois para o Relojoeiro Florêncio Fornieri (1899), responsável pela instalação do novo relógio da Matriz, doado por comerciantes de SP e RJ (1900). A partir de então esse espaço foi alugado para o Jockey Club e que ali funcionou até o ano de 1939. Na sequência vieram os seguintes estabelecimentos: Bilhar Las Vegas, Taco de Ouro, Colégio Objetivo, Restaurante Balão, Bar Borzar...
O casarão foi adquirido pela família Fadul Cambraia nos anos 60.
Por ter sido considerado um marco histórico e um bem cultural de valor inestimável, foi definitivamente tombado pela municipalidade em 2019.

Moacir Silveira

HISTÓRIA DE UBERABA – GUIDO BILHARINHO.

MATÉRIA DO PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA PRIMAX


Guido Bilharinho, nosso mestre historiador, em um texto que pinçamos de sua matéria na Revista Primax, rebate considerações veiculadas no livro “Metrópole Imaginária” de autoria de André Azevedo Fonseca, lançado em 2020.

Cidade de Uberaba -
  Editor da foto: Marcelino Guimarães.

Muito interessante para o conhecimento de nossa história essa narrativa pois nos revela que nas décadas de 1910, 1920 e 1930, Uberaba passou por grandes transformações em decorrência de grandes investimentos que se fizeram em todos os segmentos da comunidade, mormente nas áreas comerciais, industriais, educacionais, sociais e rurais, criando assim, base para o futuro desenvolvimento econômico da cidade, mostrando que estas destacadas realizações, contradizem quaisquer manifestações que falam em estagnação neste período.

Eis o texto de Guido Bilharinho, uma aula de nossa história.

Não é correto, por não corresponder à realidade, argumentar que “a pecuária praticamente anulou as características que a atividade comercial havia imprimido à cidade, de forma que, entre 1910 e 1930, Uberaba deixou de ser um centro urbano relevante [...] dessa maneira, Uberaba virou um núcleo urbano decadente ilhado por formidáveis pastagens de gado” (Nos citados 36 anos (1889 a 1925), estendidos até outubro de 1930, face a seu colapso comercial, Uberaba deveria ter se estagnado e, mesmo, retrocedido. Porém, em decorrência do célere e acentuado desenvolvimento da pecuária zebuína, prosperou e se desenvolveu, malgrado as restrições e obstáculos opostos pela orientação e prática econômicas implementadas no país a partir de 1894, com a eleição de Prudente de Morais e ascensão ao poder da plutocracia cafeeira.

Para se aquilatar que ao contrário do que as Cassandras retroativas proclamam, Uberaba não só não estagnou nem retrocedeu, como, ao contrário, foi contemplada com realizações diversas e, isso sim, modernização urbana, como provam as fotografias anexas, de 1910 e a do período 20/30.
Basta lembrar, em apertada síntese, entre outras realizações:

Década de 1910: cine Paris Teatro (1910); cine Triângulo (1910); célebre Exposição de Zebu (1911); primeiro centro espírita (1911); cine Pathé (1912); primeiras estradas intermunicipais (1912); Uberaba Cinema (1913); loja Notre Dame de Paris (1915); Asilo Santo Antônio (1915); agência do Banco do Brasil (1916, antes de São Paulo); Fórum (1916); Penitenciária (1917); Uberaba Sport (1917); cine Politeama (1917); revistas Via Láctea (1917) e Lavoura e Comércio Ilustrado (1919); Banco de Uberaba (1919).

Década de 1920: Hospital São Sebastião (1922); Associação Comercial e Industrial (1923); Mercado Municipal (1924); Hospital Santa Rita (1924); Escola Técnica de Comércio José Bonifácio (1924); cine Capitólio (1925); Associação de Chauffers e Condutores de Veículos (1925); Rede Mineira de Viação (1926); Escola de Farmácia e Odontologia (1927); Sociedade de Medicina (1927); Liceu de Artes e Ofícios (1927); Centro de Saúde (1927); Associação dos Empregados no Comércio (1927); loja São Geraldo (1927); Centro de Cultura Física (Associação Esportiva e Cultural, 1927); Colégio Sousa Novais (1928); cine Alhambra (1928); Casa Aliança (1929); Hotel Modelo (1929); cine São José (1929); Lavoura e Comércio passa a diário (1929).

Década de 1930: Capela do Colégio N. S. das Dores (1930); Sorriso-Revista (1931); cine-teatro São Luís (1931); Diretoria 12 Regional dos Correios e Telégrafos (1932); Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil (1932); 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (1932); Aeroporto (1932); Rádio Sociedade do Triângulo Mineiro (1933); Grupo Dramático Artur Azevedo (1933); revista A Rural (1933); Sanatório Smith (1933); Sanatório Espírita de Uberaba (1933); Colégio Santa Rosa (1934); Ginásio São Luís Gonzaga (1934); inauguração da linha aérea São Paulo-Uberaba (1934); Sociedade Rural do Triângulo Mineiro (1934); Casa Carvalho (1934); Banco de Triângulo Mineiro (1936); banda Maria Girisa (1936); Clube Atlético, da Abadia (1937); Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários (1937); Casa de Saúde São José (1939); Revista Zebu (1939); nova sede do Jóquei Clube (1939).

População Urbana: 9.186 (1908); 15.022 (1920); 21.882 (1930). NOVOS jornais e periódicos: 45 (década de 1910); 31 (década de 1920); 36 (década de 1930).

Fonte – Primeiro número da Revista Primax - Guido Bilharinho.

O Calçadão "Arthur Machado"

Calçadão "Arthur Machado" - Foto Antônio Carlos Prata.

O Calçadão "Arthur Machado" foi inaugurado no dia 18 de novembro de 1994, na gestão do prefeito Luíz Guaritá Neto. Engenheiros responsáveis José Bandeira de Melo (Secretário de Obras) e Hugo S. Bichuete Nicolau (Secretário de Planejamento).

Inauguração do Prédio da Farmácia Drogasil

O prédio da Drogasil foi inaugurado no dia 10 de outubro de 1966, às 10h. Com 31 funcionários. Localizado na rua Artur Machado, n.º 44 (Centro). Flávio Bierenbach (engenheiro responsável).

Cidade de Uberaba -
Foto Antônio Carlos Prata.

Estiveram presentes o prefeito Arthur de Melo Teixeira, o presidente da Câmara Municipal de Uberaba, Dr. Homero Vieira de Freitas, o comandante José Vicente Bracarence, o Arcebispo Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, a Banda de Música do 4º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais e convidados.

terça-feira, 1 de março de 2022

CONHECER PARA AMAR! UBERABA 202 ANOS

Por volta de 1700, descobriu-se o ouro em Minas Gerais. A povoação do Brasil deixou de ser quase exclusiva das faixas litorâneas, estendendo-se rapidamente para a região das minas. A febre do ouro iniciava-se.
Nos seus primórdios, antes da chegada dos Bandeirantes paulistas, a região do “Sertão da Farinha Podre”, atual Triângulo Mineiro, era povoada por índios e quilombolas, negros fugidos do cativeiro.

Cidade de Uberaba - Foto Antônio Carlos Prata.

Com a descoberta de ouro na província de Goiás, e depois em Cuiabá, começaram os esforços para construir um caminho ligando São Paulo às minas goianas e matogrossenses. Foi entre 1722 e 1725 que os sertanistas paulistas, sob a liderança de Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o lendário Anhangüera, descobriram as minas de Goiás e, conseqüentemente, formaram-se arraiais e vilas naquela região. Esta estrada passava nas proximidades onde Uberaba surgiria.

Com a chegada do branco, os índios da região, não pacificamente, foram sendo expatriados ou “civilizados”, como convinha aos desbravadores. Aldeias de índios amistosos aos exploradores foram sendo instaladas, nas margens da estrada Anhanguera para segurança dos viajantes.
Transformações na economia mineradora de Minas Gerais, como a descoberta de ouro e diamantes no Sertão da Farinha Podre ( lugar conhecido como Desemboque), motivaram as imigrações para a região, principalmente daqueles que moravam nas imediações das vilas produtoras de ouro em plena decadência.

Desemboque exerceu importante função como centro de expansão populacional. Foi dali que saíram expedições que possibilitaram o surgimento das vilas de Araxá, Uberaba, Prata e Patrocínio entre outras.

A formação da Freguesia de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba surgiu com a expansão das fronteiras de exploração a Oeste do Desemboque. Em 1812 o sertanista José Francisco de Azevedo instalou um pequeno núcleo colonial, nas cabeceiras do Ribeirão do Lajeado (dos Ribeiros). Este núcleo era formado por algumas cabanas, habitadas por colonizadores emigrados de Desemboque. Denominou-se, o local, Arraial da Capelinha.

Em 1809 o Sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva Oliveira, obteve o título de Regente Geral, e Curador dos índios, do Sertão da Farinha Podre. Realizou duas entradas para explorar a região: uma em 1810 e outra em 1812. Estas expedições eram realizadas juntamente com alguns geralistas que procuravam lugares para estabelecer fazendas, atraídos pelas notícias de alta fertilidade das terras.

Algum tempo depois, por volta de 1816, Major Eustáquio construiu uma casa de morada, na margem do Córrego das Lages, imediações da Estrada de Anhanguera e, cerca de três quilômetros dali, córrego acima, ainda à margem esquerda, construiu um retiro para suas criações, que deu origem ao lugar conhecido por Paragem de Santo Antônio.

A partir da construção deste retiro, moradores do Arraial da Capelinha, e de outros lugares próximos, migraram para aquele novo sítio. Esse foi o núcleo que originou a cidade de Uberaba. O arraial cresceu rapidamente. O comércio foi se firmando, as fazendas tomando importância, a vida social e econômica se configurou.

Nos anos 1990, historiadores do Arquivo Público de Uberaba, buscando atender reivindicações para mudança da data de aniversário da cidade em 2 de mao, que coincidia com o Dia do Trabalhador no dia 1º e Inauguração da Expozebu no dia 3, gerando transtornos ao comércio devido ao feriado prolongado. Pesquisas foram realizadas para identificar outra data de relevância histórica.

Chegou-se ao dia 2 de março, data do decreto régio que estabeleceu a criação da Freguesia de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba, em 1820.
Este foi um breve relato das origens de nossa cidade.

Parabéns para os uberabenses que ao longo dos anos vem cumprido sua cidadania, preservando os valores culturais de nossa terra, lutando por uma cidade que ofereça a cada dia, melhores condições de vida aos seus habitantes.

Comemorar os 202 anos é uma forma de reafirmamos nossa memória, nossa identidade histórica. Oportunidade para congratular a todos sem distinção, em qualquer tempo, que em seu cotidiano, muitas vezes sem perceber, tecem a trama da história. Vale a pena comemorar, não vale?

Parabéns Uberaba! Parabéns uberabenses! Parabéns por sua história, cultura e beleza.


Luciana Maluf Vilela
Historiadora

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Você é desobediente? Espero que sim!



Desobediência

Renato Muniz B. Carvalho

Lá em casa, nunca fomos obedientes. O que não significa que fôssemos desobedientes, revoltados ou insurgentes. Nenhum de nós saía por aí quebrando coisas, ofendendo pessoas, pondo fogo no mundo. Às vezes, confesso, dava vontade. Tínhamos nossos instantes de rebeldia, mas nunca nos faltou civilidade nem bons modos.

Tomávamos banho todo dia; as refeições eram feitas à mesa da sala, com os mais velhos; tínhamos nossas responsabilidades em relação aos cômodos onde dormíamos e brincávamos. Os horários definidos para comer, estudar, dormir e brincar eram respeitados. Existiam normas, mas não eram impostas, eram negociadas. Não era perfeito, nem tinha a exatidão de um relógio, mas funcionava. Isso afetava os relacionamentos com as outras pessoas, pois muita gente nos tachava de, no mínimo, excêntricos, mesmo parentes próximos. Alguns nos enxergavam como um bando de bagunçados. Nunca quebrávamos as normas? Quase sempre! Ora, o que é a aprendizagem senão avançar além dos limites? Éramos uma família comum, com seus problemas, fragilidades e dificuldades, mas a maioria das questões polêmicas era resolvida na base da conversa: Posso sair hoje à noite? Que horas devo voltar? Posso dormir na casa do meu colega? Posso viajar com meu tio? Não quero ir à escola hoje. Não estou com fome. Posso ficar pelado no meio da casa? Tentativas, experimentos e verificação dos limites eram relevantes. Em outras palavras: aprendizagem para a vida, com seus inevitáveis erros e acertos. Não foi fácil! As imposições da época exigiam: “regras existem e não devem ser quebradas”. O comportamento padrão e patriarcal reforçou, em muitas pessoas, atitudes amarguradas, desconfiadas, acanhadas, conservadoras. É triste constatar isso.

Passar as férias na fazenda do meu avô ampliava a sensação de liberdade. Tínhamos espaço à disposição, contato com árvores, animais, rios, cachoeiras e pessoas diferentes, que ali trabalhavam ou que por ali passavam. A orientação era respeitar e entender as diferenças. Não maltratar o cavalo que nos carregava nos passeios, não estragar troncos nem quebrar os galhos das árvores, não causar danos às plantações, seja na hortinha de couve ou nas extensas lavouras de milho e arroz, e jamais discriminar, humilhar ou debochar das pessoas.

Éramos livres e abertos para indagações e questionamentos diversos. Sabíamos que não viriam safanões ou cara feia por desejar saber como funcionava o mundo, embora soubéssemos que certas perguntas eram inconvenientes para uns, enquanto outras eram restritas ao mundo adulto. Meus pais rebolavam para se desviar das armadilhas pedagógicas quando o assunto era controverso. Política, sexo e religião eram os assuntos mais delicados, mas nunca escamoteados.

De modo geral, salvou-se uma melhor compreensão do mundo e de suas contradições. O melhor de tudo: uma educação não repressora apresenta melhores resultados, mas muita gente não compreende e não está disposta a abrir mão de seu micropoder. É pena!

Crônica publicada no Jornal da Manhã - (Uberaba, 22/02/2022).

domingo, 20 de fevereiro de 2022

XUXU, CASQUINHA e PIMPÃO

Édison Iglesias Campos, o popular Xuxu, virou nome de rua no bairro Tutunas de Uberaba. Pena não constar da placa a alcunha pela qual era mais conhecido.

Xuxu nasceu na cidade de Itaocara, em 8/11/1928, filho de Basílio Iglesias Campos e Emília Virgulina Campos, ambos artistas circenses espanhóis que imigraram para o Brasil, na década de 1920.
Além de viajar fazendo shows por todo o Brasil, ele também atuou ao lado dos Trapalhões, comandou o programa “Disquinho do Xuxu” da Tv Triângulo de Uberlândia, atuou nas rádios Difusora e PRE-5 e também fez apresentações no Canal 5, Tv Uberaba.

Imagens: 1 – Xuxu e 2 – da esquerda p/ direita: 
Hélio Rodrigues Maia (Cartolinha),
 Geraldo Barbosa, Xuxu e Marquinho

Em seu programa radiofônico Xuxu contava com a participação de Casquinha e Pimpão no papel de ‘escadas’, auxiliares na interpretação das situações ilarias. Um exemplo: - tinha um matuto que nunca vira espelho na vida, ganhou um e quando nele olhou achou que era foto do pai e começou beijar emocionado. Levou a novidade pra casa, guardou no fundo de uma mala, sempre aberta com emoção dizendo, antes de beijar: - "meu pai! meu querido paizinho”! Isso várias vezes. Sua mulher, desconfiada, também não conhecia espelho, esperou ele sair e foi ver o que ele escondia com tanto zelo. Ao ver a sua imagem refletida exclamou: - “então é isso! Eu sabia que ele estava enrabichado com essa sirigaita!” Imediatamente repassa a novidade para a mãe que acrescenta: - “mas minha filha, seu marido tem coragem de andar atrás desse canhão”?!

Me ponho a imaginar Casquinha e Pimpão fazendo as vozes femininas. Casquinha era interpretado por Júlio César Jardim, dono de voz cavernosa, mais ilaria nessa hora. Já o Pimpão, que antes era o Zumbi, é hoje um importante dirigente de empresa pública em nossa cidade, mas cujo nome só revelo se ele me autorizar.

Ao Xuxu e Casquinha, ambos já falecidos, e ao Pimpão eu só posso agradecer e dizer que deixaram grata lembrança no coração de muita gente, além de aproveitar para relembrar que:
Como num picadeiro circense / muitas vezes somos palhaços / em outras somos crianças / O céu que nos cobre é a lona / Para o espetáculo da vida

Moacir Silveira

TONINHO DA VIOLA

Toninho da Viola, nome artístico de Antonio Lubianchi, também foi destaque na programação do Canal 5, Tv Uberaba, quando já integrada à rede Manchete.
Natural da cidade de Jaborandi, SP, onde nasceu em 16/3/1942, ainda criança ele se muda com a família para a cidade de Barretos, SP, onde passa a maior parte de sua juventude e mocidade até sua mudança em definitivo para a cidade de Uberaba, MG, em 1969.
Foi em Barretos que ele iniciou nas primeiras letras escolares no tradicional Colégio Ateneu, sob a orientação do professor Valdeci.


Antonio Lubianchi, Toninho da Viola - Foto/ Reprodução.

Aos 11 anos interessa-se pela música ao ouvir pela primeira vez a dupla Zé Carreiro e Carreirinho. Isso aconteceu no bar do Sr. Honório, mantenedor de famosa casa de encontro local e que o menino frequentava às escondidas, mas com anuência do proprietário. Na oportunidade foram todos levados para a delegacia. Foi a partir de então, graças ao seu talento, tem início sua trajetória artística.
Graças influência do grande compositor e músico Dilermando Reis, tem no violão o instrumento de sua predileção. O interesse pela viola caipira surge tardiamente, em 1987, e a partir de então ganha seu coração, inclusive incorporado ao seu atual nome artístico.
Toninho da Viola é o mais um digno representante do que há de melhor no mundo da viola, pois é o exemplo do brasileiro que acredita na sua arte e a ela se dedica de corpo e alma.
Prestes a completar 80 anos, ele continua dedilhando as cordas de sua viola com o mesmo talento e maestria.


Clique no vídeo e confira: 
o seu excepcional domínio das cordas na execução de nosso “Hino Nacional”.

Moacir Silveira

EM NOME DO PAI

Essa foto histórica e centenária foi tirada no início dos anos 1920. Os personagens parecem estar a nos contemplar através do tempo, mal sabendo eles que hoje seríamos nós que os olharíamos de volta. Eles com olhos no futuro e nós com olhos voltados ao passado. Os pais do noivo fazem pose orgulhosos por estarem casando Luiz, mais um dos seis filhos que tiveram, a saber: Álvaro, Adelina, Almerinda, Adelaide e Adélia.

Na foto (álbum de família): o patriarca Ataliba Guaritá (18/2/1862 – 9/10/1932), sua esposa Francisca Cândida Guaritá (9/11/1868 – 10/10/1940), o noivo Luiz Guaritá (7/9/1900 – 17/11/1965), a noiva Niza Marquez Guaritá (16/12/1901 – 31/7/1988).

Os jovens noivos, por sua vez, teriam um único filho e que estaria predestinado a ser figura importante na comunidade uberabense. Em uma demonstração de amor filial eles dariam à criança o nome e sobrenome do pai do noivo, homem de renome na sociedade e política, que parece estar abençoando o casal. Entretanto, sobre o belo futuro do menino o patriarca nada saberia, pois faleceria 8 anos depois, em 1932. E nem ficaria sabendo que o próprio filho Luiz, o noivo, viria a ser um empresário de sucesso, presidente da Associação Comercial de Uberaba, em 1937, e dono de importante loja de material de construção na Rua Artur Machado, em frente à antiga Futurista, bem ao lado da famosa Casa da Sogra.
A jovem noiva exerceria importante papel na sociedade local, como educadora, professora de francês, presidente da Ação Católica e de outras entidades filantrópicas.
O filho do noivo viria a ser, tempos depois, vereador, jornalista, colunista social, radialista, apresentador de tv e um grande líder comunitário.

Melhor observando essa foto é possível vislumbrar a admiração e orgulho, pois tanto Luiz quanto seu futuro rebento pensariam no pai ao dar nome ao próprio filho. Luiz batizaria o seu: Ataliba Guaritá Neto, o popular Netinho (27/6/1924 – 14/9/2000) e esse, por sua vez, escolheria para o seu menino: Luiz Guaritá Neto (ex-prefeito nos anos 1993 a 1996).

E para reverenciar tão ilustres figuras ousaria entoar a famosa canção de Fábio Junior que diz: ... “Pai / Eu cresci e não houve outro jeito / Quero só recostar no teu peito / Pra pedir pra você ir lá em casa / E brincar de vovô com meu filho / No tapete da sala de estar / Pai / Você foi meu herói, meu bandido / Hoje é mais muito mais que um amigo / Nem você, nem ninguém tá sozinho / Você faz parte desse caminho / Que hoje eu sigo em paz”.

Moacir Silveira


OBS: Netinho casou-se com Cornélia, com quem teve os filhos Luiz Neto e Dulce Helena, casados com ... (mas essa é história que fica para outra postagem)

Leopoldino de Oliveira

NO MEIO DO REDEMOINHO

Ele nasceu em 18/6/1893 e mal sabia que viveria no meio de um redemoinho político. Num conturbado período de nossa história. Abolição da escravatura, queda da monarquia, proclamação da república e muitas reviravoltas políticas.
Quando criança ouvia adultos comentando a decisão do governador do estado em mudar a capital mineira de Ouro Preto para um desconhecido lugarejo denominado Curral Del Rey e ali instalar a futura Belo Horizonte. Em seguida, a ascensão desse político ao cargo de presidente da república, fato de tamanha repercussão e capaz de influenciar na troca da denominação Largo da Matriz de Uberaba para Praça Afonso Pena, em 1894, e depois para Rui Barbosa, em 1916. As notícias da revolta dos tenentes e da Semana de Arte Moderna (1922), da rebelião de São Paulo (1924), da Coluna Prestes (1924/1927), do Artur Bernardes governando com mãos de ferro e estádio de sítio em MG (1918 / 1922) e depois, ja na presidência, o Brasil (1922 / 1926).

Fotos: 1, 2 e 3 – Arquivo Público de Uberaba; 
4 – Nau Mendes; 5 – revista O Cruzeiro; 6 - Ricardo Prieto


Em 1910, após cursar o internato do Ginásio Diocesano, ele muda-se para BH e matricula-se na Faculdade de Direito. De família humilde, teve que trabalhar para custear seus estudos. Começou como revisor, passou a editor e, em pouco tempo, já era um dos mais conceituados jornalistas da capital. Ali viu a prodigiosa transformação e urbanização da cidade. Já em 1915, gradua-se com louvor e recebe o seu sonhado diploma de advogado. Retorna a Uberaba. Abre escritório. Colabora com os jornais locais. Vai a Índia em busca de gado zebuíno. Envolve-se na política. Elege-se vereador. Preside a Câmara. Assume o cargo de agente executivo (prefeito). É eleito deputado federal, em 1923, reelegendo-se em 1928. Apresenta proposta de saneamento de Uberaba, sugerindo a cobertura dos seus córregos, que na época passavam pelos quintais das casas na região central da cidade. Medida efetivada com a desapropriação dos terrenos. Enfrenta forte resistência de opositores políticos. Chega a ser hostilizado pelo governador do estado e até pela presidência da república. Não se intimida e com destemor enfrenta os ‘coronéis’ da política e até mesmo o da PM, e seus 90 praças em baionetas caladas, com ordens de invasão do prédio da Câmara Municipal. Tudo isso em uma época em que era comum morrer de susto, bala ou vício.

Com a vida agitada que enfrentou, esse verdadeiro furacão uberabense, não chegou a ver o resultado de sua iniciativa, pois faleceu antes, em BH, no dia 29/8/1929, aos 37 anos de idade.
Graças à aprovação de sua proposta hoje temos as amplas avenidas centrais, devidamente cobertas e saneadas. E a principal delas, merecidamente, leva o seu honroso nome, Av. Leopoldino de Oliveira.

Moacir Silveira

PERDI MINHA NAMORADA

Foi um namoro longo, terno e apaixonado, constante, perseverante, fiel, sincero e construído com muito carinho. Quando começou? Quando nasci. Portanto ela foi a minha primeira namorada e eterna namorada.
Certa vez fiz uma crônica sobre minhas quatro namoradas. Ela ficou toda orgulhosa de ter sido citada em primeiro lugar. E as namoradas – com a chegada das netas – têm aumentado. Mas a Marqueza, - como carinhosamente a chamávamos desde os tempos de meu pai, devido ao seu sobrenome Marquez – sempre aceitou o namoro do filho único que passou a ocupar, na sua viuvez, o coração inteiro da mulher amada.

 Niza Marquez Guaritá com seu
 bisneto Marcelo (Foto álbum de família)

Apesar de tê-la amado muito, fiquei em dívida. Fiquei devendo muito na conta-corrente de nossas vidas. Ela me amou muito mais. O amor de mãe, infinitamente maior. O carinho de mãe, a proteção de mãe, a orientação de mãe – os degraus da escada que subi para chegar onde cheguei. Sem ela teria tropeçado no meio do caminho...
E agora? Vivo das imagens que nunca vão desaparecer. Viverei da saudade que não morre. Saudade de vê-la na janela de sua casa, aguardando meu carro, vigiando meus passos, escondendo o rosto para não ser vista e mostrar-se surpresa quando entrava em sua casa para o beijo diário e pontual. Saudade do seu telefonema todas as manhãs aqui na redação, para saber como passei a noite... Saudade do café na hora certa, do “encontro combinado pelo rádio... minha primeira namorada, minha eterna namorada... vamos acertar nossos relógios, velhinha bonita e elegante com seus 86 anos amando e sendo amada”.
Perdi a namorada. Mas não perdi o amor. O amor que ela me deu sempre, o amor que ela pediu e recebeu até o último dia, um domingo de mãos dadas para ver televisão e torcer no futebol... Já escolhi a frase para a estampa com sua foto:

MARQUEZA,
só a nossa saudade
será maior do que você.
Ataliba Guaritá Neto

(Observatório – Lavoura e Comércio, 7/8/1988)


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

OSSOS DO OFÍCIO

Paulo Nogueira

Vou contar um pouco das histórias que aconteceram comigo durante os meus mais de 50 anos no jornalismo. Ano 1972, iniciei minha carreira como repórter de TV, na TV Uberaba, depois passei pela TV Tupi, SBT, TV Manchete, e Universitária. Eu já trabalhava na imprensa escrita e falada na cidade e fazia matérias especiais para a revista “O Cruzeiro”, e demais órgãos de comunicação dos Diários Associados. Na TV Uberaba, fui escalado para acompanhar uma missão do Projeto Rondon, com alunos da Universidade de Uberaba, no Pará e Amazonas. Eu, e o cinegrafista Geraldo Botelho, embarcamos em um avião DC3, e após algumas horas de viagem, com várias escalas, chegamos a Altamira, no Pará. 

A previsão de ficar por lá era de 15 dias. Ao desembarcamos, fomos imediatamente trabalhar. Após oito dias de reportagens nas agrovilas, na transamazônica, Rio Negro e outros, fomos até uma aldeia de índios distante a 300 quilômetros de Altamira, fazer uma matéria especial. Assim que chegamos a Aldeia, com três máquinas fotográficas, várias lentes, e um aparelho de radiofoto, o Geraldo com a câmara de filmagem, bater ias, iluminação e outros quites para uma cobertura externa, fomos imediatamente dominados por quatro índios, que me amarram de imediato, e me colocaram em uma rede, no interior de uma tenda. Geraldo, conseguiu correr e pegar o helicóptero que estava a nossa espera. Eu fiquei naquela situação, sem comer e sem tomar água, por quase dois dias. Não estava entendendo o que estava acontecendo, até que veio o socorro trazido pelo Geraldo. Dois catequizadores que estavam na região, foram levados me socorrer.

 Depois de muito diálogo com os índios, eles me deixaram livre, e me entregaram o equipamento novamente. Porque procederam daquela maneira? Depois de algumas horas, fiquei sabendo que queriam dinheiro, em troca da reportagem que pretendia fazer naquela aldeia. Passados alguns dias, descobri que a chefia da tribo estava sendo manipulada por pessoas ligadas a eles, só que não eram índios. Após libertado, fui imediatamente medicado em Altamira pois estava bem desidratado. Eu, não me aborreci, realizei outras matérias jornalísticas, que foram publicadas em jornais, na revista O Cruzeiro, como também levadas ao ar na TV Uberaba na época, com grande repercussão.

 Conto este episódio, não como forma de denegrir quem quer que seja, mas marcou muito minha trajetória no início de minha carreira no jornalismo, e naquela época, já deparar com pessoas que pretendiam tirar suas vantagens, em cima do nosso trabalho, e daquela maneira. Após alguns anos, pude voltar a Amazônia e realizar matérias exclusivas na mesma aldeia indígena, onde fui recebido com um tratamento digno. 

Esta é uma das centenas de façanhas por que passei nestes mais de 50 anos de jornalismo, cujo objetivo será sempre, de levar ao leitor, o ouvinte, e ao telespectador, matérias jornalística reais, sem mistificações e mentiras, pois o público que nos acompanha sabe da nossa seriedade dentro do jornalismo. Até hoje, ainda existe o glorioso Projeto Rondon, que leva alunos das universidades brasileiras a Amazônia e nordeste do Brasil, ajudando as pessoas carentes, e ao mesmo tempo, que os alunos universitários das diversas áreas, coloquem em prática, o que aprenderam, É um excelente projeto, e tenho certeza, que os universitários brasileiros, sempre terão o prazer em participar do mesmo, dada a sua integração com as comunidades em geral, trazendo mais experiências aos alunos.

Jornalista-Membro da Associação Brasileira de Jornalismo Científico

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

MAIS UMA ESTRELA NO CÉU

Therezinha Pousa Corrêa de Paiva -  Foto/Família.


É com profundo pesar que recebi e comunico a todos a triste notícia do falecimento de Therezinha Pousa Corrêa de Paiva, ocorrido no início da noite de hoje, nessa cidade de Uberaba. Figura por demais conhecida na comunidade espírita, ela também atuou durante muitos anos à frente da Malharia Colegial. Depois de 71 anos de casados, ela deixa viúvo Antônio Corrêa de Paiva, os filhos Domingos, Jeziel, Júnia, Cíntia, Ismael, Lívia, além de 11 netos e 4 bisnetos.

Faltando-me palavras para consolar seus familiares, demais parentes e seus inúmeros amigos, estou certo de que, onde quer que agora esteja, é ela quem nos envia as doces palavras de Santo Agostinho:

PARA SEMPRE

A morte não é nada.

Eu somente passei

para o outro lado do Caminho.


Eu sou eu, vocês são vocês.

O que eu era para vocês,

eu continuarei sendo.


Me dêem o nome

que vocês sempre me deram,

falem comigo

como vocês sempre fizeram.


Vocês continuam vivendo

no mundo das criaturas,

eu estou vivendo

no mundo do Criador.


Não utilizem um tom solene

ou triste, continuem a rir

daquilo que nos fazia rir juntos.


Rezem, sorriam, pensem em mim.

Rezem por mim.


Que meu nome seja pronunciado

como sempre foi,

sem ênfase de nenhum tipo.

Sem nenhum traço de sombra

ou tristeza.


A vida significa tudo

o que ela sempre significou,

o fio não foi cortado.

Porque eu estaria fora

de seus pensamentos,

agora que estou apenas fora

de suas vistas?


Eu não estou longe,

apenas estou

do outro lado do Caminho...


Você que aí ficou, siga em frente,

a vida continua, linda e bela

como sempre foi.

Moacir Silveira

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

LUCI ARAUJO ARAGÃO

A APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Uberaba, foi fundada em 12 de março de 1972, por Maria de Lourdes Vasquez Martins Marino.

De sua sede inicial instalada na praça Dom Eduardo, mudou-se para a rua Major Eustáquio de onde saiu em 1989 para sua sede própria localizada no bairro Amoroso Costa.

Foram 17 anos de muita garra das diversas diretorias da Entidade para se chegar a esta grande conquista.

Luci Araujo Aragão - Foto - Casa do Folclore

A saga desta construção está para ser contada. Todavia o nome de Luci Aragão se destaca. Presidente da entidade por vários anos, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, conseguiu, em parceria com Nivea Ferreira, a doação do terreno pela Prefeitura Municipal de Uberaba. Iniciada a luta em fins da década de 1970, além das doações, conseguiram recursos junto à

Fundação Banco do Brasil.

Hoje a APAE de Uberaba atende a mais de 400 alunos com deficiência, em cursos matutinos e vespertinos.

Luci Aragão e Nivea Ferreira, tão logo cumprida a missão da APAE, se juntaram como voluntárias do Instituto de Cegos do Brasil Central – ICBC, conseguindo a melhoria da sede e do corpo profissional do Instituto.

Luci se casou em 14 de janeiro de 1968 com o empresário de espirito associativista, José Vitor Aragão, comerciante, industrial e ruralista, proprietário da Brasilar e, desta união, nasceram Victor Aragão Netto, Luciana Araújo Aragão Andrade, Pedro Henrique Aragão e Luiz Gustavo Aragão.

Luci Aragão veio a falecer em um trágico acidente em 03 de Julho de 2007, aos 61 anos de idade. Deixou o exemplo de seu trabalho para toda a comunidade e as saudades para a família e amigos.

Luci Araújo Aragão ´nome de rua do conjunto Presidente Tancredo Neves. Empestou também seu nome para Unidade de Acolhimento Casa de Proteção Infanto Juvenil.

Gilberto Rezende – Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Dom Alexandre Gonçalves do Amaral

“Vou cancelar esta cerimônia”. Mal ele terminou estas palavras, já avisamos a Dom Alexandre Gonçalves do Amaral que a noiva já estava se posicionando para o tradicional desfile, dando início ao casamento.

Havia sempre uma preocupação maior com a questão de horário quando se tratava de um casamento realizado pelo arcebispo na década de 70, na Casa do Folclore.

Foto: Curia Metropolitana

Jamais recusou qualquer solicitação nossa. A sua presença era por nós considerada como uma demonstração de estima e de consideração, já que a maioria dos padres e outros bispos, com exceção de Dom Alberto Guimarães, recusava-se a realizar casamentos sob o argumento de que não havia ali uma capela.

Dom Alexandre, de uma educação esmerada e de afável trato, era, todavia, rígido em disciplinas eclesiásticas e em horários, motivo de sua impaciência.

Em termos de disciplina, de defensor intransigente da fé, do rito e das determinações religiosas, basta o fato de usar fivelas em sapatos que lhe machucavam os pés, mas que compunha as indumentárias determinadas pelo Vaticano e que, para tirá-las teve que receber autorização, após graves ferimentos provocados, conforme relata César Vannucci em seu livro “Um Certo Dom”.

A primeira vez que recebemos a visita de Dom Alexandre na Casa do Folclore foi em razão de um convite feito por meio do professor Erwin Pühler e sua esposa, Eunice, amigos de longa data do arcebispo. Acompanharam-no nesta visita também o padre Hyron Fleury, João Francisco Naves Junqueira, seu médico particular e algumas religiosas.

Neste dia, acontecia mais uma apresentação da Catira dos Borges. O Arcebispo gostava de manifestações culturais. Conheceu essa dança folclórica em Iturama.

Na época desta visita, década de 1970, não havia grandes construções no local, e sim jardins, o que levou Dom Alexandre a dizer que o local se parecia com os jardins do Éden. Muito gentil, disse ainda que batizaria a Casa do Folclore como Academia Brasileira do Folclore.

Filho de Benjamim Gonçalves e Maria Cândida Gonçalves do Amaral, Alexandre nasceu em Carmo da Mata, Minas, aos 12 de junho de 1906.

Aos 23 anos, em 22 de setembro de 1929, foi ordenado padre. Dez anos após, ao ser eleito bispo, foi ungido em 29 de outubro de 1939 o mais jovem bispo em todo o mundo. Neste mesmo ano, tomou posse em Uberaba em 8 de dezembro de 1939, exercendo a função episcopal até 1962, por indicação do Papa Pio XII. Foi o 4º bispo da cidade, após D. Luiz Maria de Sant’Anna.

Na década de 1940, dono de uma inconfundível voz, Dom Alexandre foi considerado o maior orador sacro do Brasil. Segundo César Vannucci, apesar de conhecer bem a ortografia, apegava-se em escrever seus artigos de próprio punho e utilizando a grafia antiga, como “pharmácia”, e não aceitava a revisão do jornal.

Em 14 de abril de 1962, o papa João XXIII elevou a Diocese de Uberaba a Arquidiocese e criou a Província Eclesiástica de Uberaba, abrangendo as dioceses de Patos de Minas, Uberlândia e Paracatu. A Catedral obteve o título de Catedral Metropolitana e o bispo Dom Alexandre foi elevado à categoria de arcebispo, o 1º de Uberaba.

Manteve este título até maio de 1978, quando renunciou juntamente com seu administrador apostólico, Dom José Pedro Costa. Dom Alexandre Gonçalves do Amaral e Dom Pedro passaram à categoria eclesiástica de “bispo emérito”.

A atuação de Dom Alexandre como supremo dirigente da Igreja em Uberaba, iniciada em 1939, não ficou restrita a pastor espiritual.

Diversos desafios ocorreram em sua longa trajetória episcopal. Assumindo suas funções eclesiásticas em plena 2ª Guerra Mundial (1939/1945), sua primeira intervenção se deu quando os padres dominicanos foram acusados de manter uma emissora clandestina para passar informações para os alemães. Buscas foram realizadas na igreja São Domingos e nada foi encontrado. Quando os fiéis quiseram fazer o desagravo deste lamentável fato foram impedidos e o próprio Jornal Católico, censurado.

No governo de Juscelino Kubitschek (1951/1955) ocorreram em Uberaba graves manifestações contra os abusos cometidos por fiscais da Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais, comandada por José Maria Alkimim, resultando em uma revolta dos contribuintes. Baderneiros aproveitaram para provocar atos de vandalismo, destruindo arquivos da Receita Federal, que funcionava no prédio da Associação Comercial e Industrial de Uberaba, e os da Receita Estadual, instalada na rua Major Eustáquio com a rua Manoel Borges.

Na época, foram presos inúmeros uberabenses. Coube a Dom Alexandre partir para a defesa dos injustiçados, em artigos virulentos contra o arbítrio, publicados no Correio Católico, conseguindo a vinda do então Secretário Estadual a Uberaba para apaziguar a situação.

Como o governador Juscelino tinha interesse na eleição para Presidente da República, além de serenar os ânimos dos uberabenses, atendeu às solicitações de Dom Alexandre e, pouco tempo depois, deu de presente, segundo relato de Frederico Frange, o prédio da antiga cadeia, situada na Praça do Mercado, acrescido de um bom numerário para que a Associação de Medicina de Uberaba implantasse uma Faculdade de Medicina particular, que se transformou na UFTM, uma das grandes Universidades Federais do Brasil.

Dom Alexandre foi uma poderosa voz na Revolução de 1964. Nas palavras de César Vannucci, não lhe faltavam carisma, cultura, inteligência, sabedoria, vivência humanística e espiritual. Sobrava coragem para enfrentar desafios. Para corrigir abusos que estavam sendo cometidos em nome do governo, foi pessoalmente a Belo Horizonte para um encontro marcado com o governador Magalhães Pinto. Nessa oportunidade, conseguiu a transferência do comandante do 4º Batalhão, que era o objeto de reclamações dos injustiçados.

O Governador designou para seu lugar o ajudante de Ordens do Gabinete Militar tenente-coronel PM José Vicente Bracarense, que depois de pacificar os relacionamentos entre o governo estadual e a Igreja, fincou raízes em Uberaba, ocupando por duas vezes secretarias nos governos municipais de Hugo Rodrigues da Cunha (1973/1976) e Silvério Cartafina (1977/1982).

A Fista – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás de Aquino, criada pela Congregação das Irmãs Dominicanas em Uberaba no ano de 1948, por iniciativa de Dom Alexandre, teve sua diretoria invadida, em abril de 1964, por elementos estranhos ao quadro da Instituição, que assumiram o poder em nome do Governo. Repudiados pelo bispo, foi necessário manter contato com o general Castelo Branco para terminar com esta situação. O Presidente determinou que onde houvesse Diocese a Igreja deveria ser ouvida antes de quaisquer atividades em entidades vinculadas.

Além dessas interferências, durante seu bispado, teve que enfrentar tempos desagradáveis e polêmicos, entre os quais os desentendimentos com a classe médica em relação a cartas anônimas – pichações anônimas –, tomada de posição em favor da implantação da Cemig e muitas outras registradas pela imprensa.

Dom Alexandre fazia sua defesa por meio do Correio Católico, jornal por ele criado e que inicialmente era mensal, passando para semanal e se tornando diário em 1954, na gestão de Dom José Pedro Costa. Segundo César Vannucci, em seu livro “Um Certo Dom”, foram escritos cerca de 6.000 artigos para o Jornal.

Em 1972, o Correio Católico foi vendido para um grupo de empresários, do qual participavam na diretoria Joaquim dos Santos Martins, Gilberto Rezende e Edson Prata. O nome foi mudado para Jornal da Manhã.

Como empreendedor, Dom Alexandre construiu o Seminário São José (Praça Dom Eduardo) na década de 1980, hoje chamado Centro Pastoral João Paulo II, sede da Cúria Metropolitana. Durante seu bispado, trouxe a Uberaba três mosteiros contemplativos – das beneditinas, carmelitas e concepcionistas. Trouxe ainda as carmelitas, da Afonso Rato; os capuchinhos, os padres sacramentinos, as irmãs do Asilo São Vicente e do Orfanato Santo Eduardo.

Pastor e evangelizador, pregador, conferencista, jornalista e escritor, foi também professor de Filosofia e Teologia. Um de seus alunos ilustres foi Mário Palmério, a quem incentivou a criação das Faculdades.

Foi um dos fundadores da Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM), ocupando a cadeira número 21, sendo sucedido por Maria Antonieta Borges Lopes. Escreveu três livros, entre eles “Os Católicos e a Polícia”, em 1946.

Dom Alexandre faleceu aos 5 de fevereiro de 2002, tendo vivido 96 anos, 73 como padre, 39 anos de governo episcopal e 23 anos como bispo emérito. Está sepultado na cripta dos bispos na Catedral, onde, em 2006, foi celebrado o centenário de seu nascimento.

Sua vida bateu três recordes quase impossíveis de serem repetidos, pois foi ordenado padre aos 23 anos, nomeado bispo com apenas 33 anos e viveu 63 anos como bispo.

“Dom Alexandre Gonçalves do Amaral” é hoje nome de uma rua no residencial Mário de Almeida Franco.

Fontes: Jornal da Manhã; César Vannucci – livros “Um Certo Dom” e “Voz da Arquidiocese”.


Gilberto de Andrade Rezende

Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, ex-presidente e conselheiro da Aciu e do Cigra