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terça-feira, 22 de outubro de 2019

AS PRENSAS FRANCESAS DO DOUTOR EDGARD

Em maio de 1956, Uberaba celebrou seu primeiro centenário em grande estilo. Por meses, uma comissão nomeada pela Câmara Municipal encarregou-se de organizar as festas, bailes e eventos que – aproveitando o período da Expozebu – estenderam-se por todo o mês. Mas, por pouco, a celebração não deu errado: no dia 2, uma tempestade quase impediu a chegada dos aviões com convidados e acabou forçando o adiamento do desfile cívico na Praça Rui Barbosa, o ponto alto das comemorações. O Douglas DC-3 da FAB que trouxe o presidente Juscelino Kubitscheck só conseguiu pousar à noite, debaixo de forte chuva, na pista de terra do aeroporto.

Dr. Edgard (de camisa clara e gravata) supervisiona o início das obras da Produtos Ceres em Outubro de 1953.
Em meio à festa, um evento passou quase despercebido. Na manhã do dia 3, Juscelino e o governador mineiro Bias Fortes aproveitaram para conhecer uma planta industrial que estava prestes a ser inaugurada. Nos cafundós do alto da Boa Vista, ao lado da linha férrea da Companhia Mogiana, engenheiros e operários completavam os testes na fábrica da Produtos Ceres SA. Na placa da obra, uma ideia da ambição de seu criador: ali seriam produzidos óleos vegetais de algodão, arroz, amendoim, babaçu e soja. Lance ousado para uma cidade interiorana onde a população cozinhava em fogões de lenha com banha de porco e manteiga de leite. E cuja economia dependia da agricultura familiar e dos humores do mercado de gado Zebu.

Detalhe da placa:

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Obras da fábrica de óleos vegetais

PRODUTOS CERES SA

Indústria e Comércio

            
  Algodão                                                                                                                       
                             Arroz 
                                      Amendoim
                                                         Babaçu
                                                                      Soja

Por trás dessa ousadia estava Edgard Rodrigues da Cunha. Aos 45 anos de idade, esse uberabense conhecia a realidade local mas, desde cedo, sonhava alto. Nascido na Fazenda da Cruz, no então Distrito de Uberabinha (atual Uberlândia), Edgard fora estudar Direito no Rio de Janeiro. Em 1937, voltou e deu início a uma bem sucedida carreira de advogado. Seu pai, Gustavo, havia sido um dos responsáveis por trazer a Uberaba o primeiro caminhão. No negócio dos transportes conheceu o empreiteiro Santos Guido e acabou tornando-se gerente da sua serraria.

Dr, Edgard Rodrigues da Cunha mostra ao presidente Juscelino a nova planta industrial da Produtos Ceres SA, 03/05/1956
Foto do acervo do Arquivo Nacional.
Por anos, Gustavo alimentou o sonho de montar uma fábrica de rações animais e produtos derivados de milho e mandioca. Em 1941, ele e dois de seus filhos homens, Edgard e Aparício, criaram a Produtos Ceres Ltda. Poucos anos depois, o pai decidiu passar suas cotas na companhia para os filhos, mas continuou na ativa, assumindo a chefia da produção. O engenheiro Aparício permaneceu na sociedade, mas mudou-se para ir trabalhar na construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. E coube ao advogado Edgard assumir o leme da empresa.

Planta industrial da Produtos Ceres nos anos 1960, no Alto da Boa Vista. Hoje, só resta preservado um pedaço da chaminé.

No final dos anos 1940, a Produtos Ceres já era uma indústria de destaque em Uberaba. Havia comprado um grande terreno nos limites da cidade, onde erguera um moderno galpão projetado pelo engenheiro italiano Ernesto Gullo. Com máquinas importadas dos Estados Unidos, fabricava derivados de milho para uso culinário e uma linha de rações balanceadas para bovinos, suínos e aves. Entre as modernidades da fábrica, ela dispunha de vestiário com chuveiros para os operários, coisa rara nessa época. Mas Edgard não estava satisfeito. Alinhado com o espírito desenvolvimentista da época, ele queria montar uma grande indústria que alavancasse o potencial agrícola da região e oferecesse empregos de qualidade à população uberabense.
Equipamentos franceses da Produtos Ceres SA. Foto: Prieto.
Desde meados do século XIX – quando fora inaugurada a fábrica de tecidos do Cassu – tentava-se incrementar a produção de algodão no Triângulo Mineiro. O uso têxtil do algodão gerava como subproduto grande quantidade de caroços que, por muito tempo, eram descartados. Foram os norte-americanos que primeiro desenvolveram um processo para extrair dessas sementes um óleo que, purificado e desodorizado, servia como alternativa alimentar à gordura animal. No início do século XX, outros grãos como o amendoim e a (então pouco conhecida) soja, também começaram a ser usados com essa finalidade. Todos esses processos industriais dependiam de maquinário caro e sofisticado. Por isso, apenas grandes empresas (em geral multinacionais) se arriscavam nesse setor. Mas Dr. Edgard não se intimidou e começou a mexer os pauzinhos.

Equipamentos franceses da Produtos Ceres SA. Foto: Prieto.
O primeiro dever de casa foi pesquisar. No início de 1952, entrou em contato com industriais norte-americanos e europeus, buscando a melhor alternativa técnica e os custos mais atraentes. Em algumas das correspondências trocadas nessa época, Edgard questiona os fabricantes sobre novos métodos de extração de óleo que, recentemente descobertos, sequer estavam disponíveis para venda. Um nível de interesse e de conhecimento técnico surpreendente para alguém que não tinha formação na área, especialmente numa época em que o acesso a informação atualizada era muito mais difícil do que hoje.

Vista externa da fábrica da Produtos Ceres. Foto: Prieto
Foram meses de perguntas, projetos, propostas e acertos comerciais. Edgard acabou fechando o negócio com ajuda da Sobemec, do Rio de Janeiro – um escritório de representação de grandes empresas francesas. Da França viriam as prensas, os equipamentos de purificação e a sofisticada tecnologia para a extração dos óleos com uso de solventes. Para levantar o capital necessário, Edgard transformou a Ceres em Sociedade Anônima e convidou para assumir a presidência o Sr. João Severiano Rodrigues da Cunha (conhecido como “Coronel Joanico”), empresário respeitado, que já havia sido prefeito de Uberlândia por três mandatos.

Anúncio da Produtos Ceres no jornal Lavoura e Comércio

O fornecimento de energia elétrica – ainda precário nessa época – e da matéria prima para a usina seria um segundo desafio. Foi preciso montar um grupo gerador próprio e, por muitos anos, a Produtos Ceres (em parceria com o Banco do Brasil) estimulou o plantio de milho, algodão e amendoim em Uberaba e nos municípios vizinhos. A empresa garantia aos agricultores a compra de toda a safra colhida, pagando o preço praticado na Capital Paulista, abatido o custo do frete. Mas boa parte dos grãos teria de vir do noroeste do estado de São Paulo, onde as culturas já estavam mais consolidadas. Toda semana, toneladas de carga chegavam em vagões da Cia. Mogiana carregados de caroços de algodão vindos da outra margem do Rio Grande.                                      
                                                       
Cartão com a linha de óleos vegetais da Produtos Ceres.

Ao mesmo tempo, era preciso levantar os recursos para a obra. Edgard, que fora diretor da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, buscou investidores entre os pecuaristas da região. Oferecia aos futuros acionistas da Ceres a garantia do fornecimento de “tortas” para alimentação bovina nos meses de seca – um subproduto altamente nutritivo da extração do óleo de algodão. Além disso, suas boas relações com JK, desde o tempo em este que ocupava o governo de Minas, facilitaram a liberação das linhas de crédito e das divisas em moeda estrangeira para a importação do maquinário.

Em outubro de 1955, cinco carretas trouxeram do Porto de Santos as novas máquinas. Com elas, vieram técnicos e um engenheiro francês, encarregados da montagem e de treinar o pessoal. No terreno da fábrica, que fora ampliado por novas aquisições, silos, galpões e prédios administrativos já haviam sido erguidos sob medida, projetados em estilo moderno pelo arquiteto Germano Gultzgoff. No final do ano seguinte, poucos meses após a visita de Juscelino, os mercados do interior do Brasil começavam a receber as latas do óleo de algodão Banquete e do óleo de amendoim Bem Bom. As Indústrias Matarazzo e as multinacionais Swift e Anderson Clayton tinham na pequena Uberaba um novo concorrente.


(André Borges Lopes / Uma primeira versão desse texto foi publicada originalmente na coluna Binóculo Reverso do Jornal de Uberaba.



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Cidade de Uberaba

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

GETÚLIO E JUSCELINO

A Exposição do zebu sempre foi a grande festa popular de Uberaba. A cidade se enfeitava em todos os cantos, na primeira dezena de maio, no embalo dos grandes acontecimentos que a santa terrinha era palco. Gente de todas as partes do Brasil, fazendeiros latino americanos, aportavam em Uberaba para conhecer os avanços da nossa pecuária. De algum tempo, ate recentemente, elitizaram a festa. O povão ficou alijado de participar da festa da cidade.

  Presidente Getúlio Vargas, Governador Juscelino Kubitscheck e autoridades na sacada da Prefeitura Municipal de Uberaba. Praça Rui Barbosa. Foto: Arquivo Publico de Uberaba. 

Agora, voltaram a abrir os portões do parque “Fernando Costa”. Ainda bem. A Exposição, sempre extrapolou o desejo dos pecuaristas. A festa sempre foi da cidade. Nada porque negar. Embora o 3 de maio deixasse de a muito, ser a data inaugural da mostra zebuína. Uberaba, era uma cidade alegre. Dia e noite. No parque e fora dele. Hoje, impera a tecnologia das raças. A genética ocupa uma primeira plana. A qualidade do rebanho , melhora a cada ano. A vinda dos políticos de renome nacional, não mais acontece. Presidentes e governadores, assíduos em velhos tempos, estão recolhidos... Raramente um ou outro, dá o “ar da graça”...

Os “ti-ti-tis” e as “fofocas”políticas, fugiram do noticiário nacional. Os grandes e pomposos bailes do “Presidente” e do “Governador”, dormem no baú da saudade. Jockey Clube e Uberaba Tênis, disputavam com sadia rivalidade , esses eventos sociais e recebiam o “grand monde” da sociedade local e visitantes ilustres,hoje, recolhidos apenas nas suas gloriosas histórias. O chique das madames e mocinhas, os “summers” e “black-tyes” dos homens, faziam inveja aos tradicionais bailes do Copacabana Palace, do Rio de Janeiro, tamanha a pompa.

Getúlio Vargas, era presença certa. Hóspede do casal Adalberto Rodrigues da Cunha, presidente da então S.R.T.M., mandou construir no seu palacete da Leopoldino de Oliveira, uma sacada, no andar superior, para que Getúlio Vargas, pudesse saudar os milhares de uberabenses e visitantes que queriam vê-lo e receber dele, pelo menos, um aceno de mãos.

Juscelino, o imortal J.K. não faltava. Na agenda presidencial, dias 3 e 4 de maio, apenas Uberaba ! Seu anfitrião, Marico Rodrigues da Cunha, recepcionava o seu convidado no aristocrático palacete da Olegário Maciel, hoje, um belo hotel. Bom dançarino, “pé de valsa” juramentado, mal a orquestra começava a tocar, formava-se a fila das mocinhas da terra, terem a honra da contradança com o Presidente.Ele atendia a todas...

As revistas “ O Cruzeiro”, “Manchete” e “Fatos e Fotos”, em edições seguintes, enalteciam a festa da Exposição de Uberaba. O comércio, faturava alto. A rua São Miguel, feéricamente iluminada, era o paraíso dos ricos fazendeiros solteiros e os “ sem as esposas”... As putas bonitas vinham de São Paulo, Rio, Goiânia , Campo Grande e Cuiabá, para “fazer a vida” na terrinha. Uberaba, respirava progresso. Maio , antecedia Dezembro para gáudio dos comerciantes.. Ninguém reclamava nada. O sucesso estava consolidado.

Lembro-me, inicio dos anos 50, os “coronéis do PSD, véio de guerra”, dominavam a cidade. Aproveitaram a estada de J.K., companheiro e líder maior do partido, pediram-lhe verba para reforma do “cadeião” da praça do Mercado. Juscelino, fitou-os, firme serenamente e acenou, negativamente, com a cabeça. –“Não vou dar a minha Uberaba, remodelação de cadeia nenhuma !”. A turma do PSD.ficou estática. Pasmados e incrédulos, com a negativa. Juscelino, com um largo sorriso, levantou os braços e num gesto característico de político vencedor, em voz alta, falou:- “Em vez de dar a Uberaba uma cadeia, darei a essa cidade que muito gosto, uma Faculdade de Medicina !”. Foi ali, naquele momento que a cidade ganhou uma Faculdade e fechou uma cadeia !”.

(Luiz Gonzaga de Oliveira)






Cidade de Uberaba

domingo, 30 de dezembro de 2018

A história do "Edifício A Equitativa"

Na história de Uberaba, houve momentos em que algumas coisas deram tão errado que chegou-se a suspeitar que havia alguma praga ou maldição atrapalhando o progresso local. Um dos casos emblemáticos foi o do edifício “A Equitativa”: aquele que deveria ter sido um dos primeiros – e o mais moderno – arranha-céu do interior de Minas Gerais, transformou-se de sonho em pavoroso esqueleto que, por décadas, assombrou o centro da cidade.

Fundada em 1896, a sociedade mútua de seguros gerais “A Equitativa dos Estados Unidos do Brasil” foi uma das maiores companhias seguradoras nacionais na primeira metade do século passado – chegando a contar com mais de dois milhões de clientes em sua carteira. A empresa tinha como sócio o governo federal e vendia seguros de vida individuais, imobiliários e para empresas. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, seus escritórios ocupavam edifícios imponentes nos centros das cidades.

Não se sabe exatamente quando “A Equitativa” começou a atuar em Uberaba, mas no início dos anos 1930 encontramos na imprensa anúncios e notícias sobre representantes na região. Os negócios prosperaram durante os anos da ditadura de Getúlio Vargas, e a empresa tinha o costume de sortear prêmios em dinheiro aos segurados, publicando nos jornais grandes anúncios com o nome dos contemplados. Os representantes regionais Joaquim Cunha Campos e Fernando Sabino Júnior eram figuras de destaque na cidade e participavam ativamente na Associação Comercial.

A Equitativa dos Estados Unidos do Brasil.

Por conta disso, foi grande o entusiasmo quando, em junho de 1942, a Equitativa realizou um grande evento para anunciar que pretendia construir um “majestoso edifício” para seus escritórios regionais no centro de Uberaba. O terreno ficava nos fundos da Companhia Telefônica local, bem ao lado de onde estavam sendo canalizados os córregos e pavimentadas as futuras avenidas Leopoldino de Oliveira e Fidélis Reis. O prédio, com mais de 10 andares em concreto armado, iria se juntar ao do Grande Hotel – inaugurado na ano anterior – dando impulso à verticalização e ao progresso da cidade, que vivia um dos apogeus da pecuária do Zebu.

O coquetel de lançamento contou com a presença de René Cassinelli, gerente geral da companhia, que veio do Rio para a ocasião. Uma caixa de aço contendo os jornais do dia e cartões de visita de todos os participantes foi concretada dentro da pedra fundamental do edifício, no meio do terreno. Matérias de página inteira, com fotos dos eventos, estamparam os jornais nos dias seguintes. Muita fumaça para pouco fogo: a construção prometida não começou. A entrada no Brasil na 2ª Guerra e a crise do Zebu em 1944 e o fim do governo Vargas congelaram o projeto.

Nova tentativa foi feita dez anos depois. Em maio de 1952, Getúlio era novamente Presidente, dessa vez pelo voto. Ele o governador Juscelino Kubitscheck vieram à cidade para inaugurar a Exposição e aproveitaram para relançar em grande estilo o prédio, rebatizado como “Edifício Getúlio Vargas”. Dessa vez, havia plantas, desenhos e maquetes do arranha-céu, que apresentava linhas modernas e conceitos sofisticados para a época: lojas no térreo com pé direito duplo, dois andares de escritórios – onde ficaria a sede da seguradora – e três apartamentos residenciais em cada um dos andares superiores. No 11º piso, um amplo salão com uma marquise de formato irregular, rodeada por um terraço jardim, semelhante aos projetos de Artacho Jurado, que faziam sucesso em São Paulo no início dos anos 1950.

De novo, muito barulho e pouca ação. Vargas suicidou-se dois anos depois, sem que as obras do prédio que levava seu nome tivessem começado: somente em 1955 foram concluídas as fundações. Nos dois anos seguintes, os andares foram sendo erguidos e, no final de 1957 a Equitativa instalou-se provisoriamente no andar térreo e colocou à venda os primeiros apartamentos. Por fim, parecia que a obra ia sair.

Uma nova decepção: a seguradora entrou em uma crise financeira e não concluiu as obras. Em 1966, o governo militar encerrou as atividades da empresa, dando início a uma longa liquidação judicial, atrasada por processos trabalhistas. O prédio inacabado passou as décadas seguintes em abandono, servindo de outdoor para anúncios de uma marca de televisores. Só em 1977 as obras foram retomadas. Dois anos depois, os apartamentos foram colocados à venda, no rebatizado “Edifício Everest”. O prédio arrojado dos anos 1950 já estava obsoleto: não tinha garagens para os moradores, o “terraço jardim” fora suprimido e o centro da cidade começava a perder a atração como lugar residencial.


Andre Borges Lopes





Cidade de Uberaba