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segunda-feira, 21 de junho de 2021

ANTÔNIO MARTINS FONTOURA BORGES

“O Presidente quer falar com o senhor” Após estas palavras, Caricio Borges, gerente do Banco Nacional do Comércio e Produção instalado na Rua Arthur Machado, determinou ao contador José Lóes que providenciasse a imediata antecipação de minhas férias. A audiência com o presidente Antônio Martins Fontoura Borges, mais conhecido por Toniquinho Martins, estava já marcada para a próxima semana na matriz, no Rio de Janeiro.

A curiosidade invadiu meus pensamentos pois entrara no banco em 1951, com a idade de 18 anos, para trabalhar no caixa. Porque a razão deste convite para um funcionário que não tinha ainda dois anos de serviço.

O Banco foi fundado em 1943 por Toniquínho Martins e seu primo Ronan Rodrigues Borges, com matriz no Rio e agências nas cidades de São Paulo, Uberaba e Conquista.

Já trabalhavam na agência de Uberaba, entre outros, os colegas José Virgílio, (procurador), Joel de Andrade Lóes, José Alberto Andrade e Albertino Rodrigues da Cunha.

Naquela época o tratamento do banco com seus clientes era personalizado. Cada grande correntista tinha sua caderneta onde eram anotados os depósitos e os juros. Esta operação era de alçada exclusiva do gerente que mantinha uma taxa diferenciada de juros para cada categoria de cliente, com direito a reclamação e ratificação.

Entre os mais assíduos destes clientes, poderiam ser destacados, entre outros, os nomes de Artur Machado Jr, Clemente Marzola, Ronan Marquez, Arthur de Castro Cunha, Jurandir Cordeiro, Orlando Rodrigues da Cunha e abastados comerciantes e fazendeiros da região.

No Rio de Janeiro a recepção foi calorosa. Para tornar a conversa mais amistosa, Toniquinho Martins, um homem de educação esmerada e de prosa agradável, me convidou para um lanche na famosa Confeitaria Colombo, prestigiada no carnaval daquele ano de 1952, com a música “Sassaricando”. O edifício do banco era ao lado da Confeitaria.

Me sentia muito honrado por ter a oportunidade de conversar diretamente com um administrador que gozava da justa fama de ser um dos mais agressivos empreendedores brasileiros. Todavia, quando ele me revelou a razão do convite, creio que o decepcionei pois não pude aceitar. Ele queria que eu assumisse a procuradoria da agência de Conquista que, naquela década tinha um grande movimento pela produção e comércio de café, açúcar, arroz de sequeiro e criação de gado de raça.

Sem dúvidas, era uma promoção e o reconhecimento do trabalho que fazia na agência. Todavia eu trabalhava em outro emprego, em outros horários, motivo que me levou a agradecer e declinar do convite.
Este encontro nunca saiu das minhas lembranças. Conhecer pessoalmente Toniquinho Martins, suas ideais, seus empreendimentos, sua preocupação com seus funcionários e sua vontade de criar novos investimentos em Conquista e Uberaba, deixou em mim a certeza de que ele era um exemplo de conduta a ser seguido para todos aqueles que tivessem a intenção de empreender – coragem, conhecimento e determinação. Uma vida que vale a pena conhecer.

Antônio Martins Fontoura Borges, nasceu em Uberaba em 23 de março de 1898. Atuou em todos os segmentos econômicos. No setor rural “Toniquínho Martins” foi um destaque pela sua criação de gado zebu de alta linhagem da raça indubrasil, plantio de café, mantendo a tradição da família em suas fazendas da Mandioca, São Sebastião e Coqueiros, localizadas no município de Conquista, MG, com área superior a 3.000 hectares. Em 1934 foi um dos fundadores da SRTM – Sociedade Rural do Triângulo Mineiro e que mais tarde se transformaria na ABCZ.

Uma de suas primeiras participações na área comercial foi em 1930, na fundação da empresa Orlando Rodrigues da Cunha & Cia. Ltda., tendo como sócios outros grandes empreendedores como seu irmão Alberto Martins Fontoura Borges, Orlando Rodrigues da Cunha e Agenor Fontoura Borges. Em 1931 esta empresa inaugurou o Cine São Luiz, na praça Rui Barbosa.

Com a admissão de Joaquim Machado Borges em 1939, a empresa construiu e inaugural em 1941, o Grande Hotel e o Cine Metrópole, na Avenida Leopoldino de Oliveira e arrendou o antigo cinema Capitólio transformando-o em Cine Royal (matinê aos domingos, 400 réis o ingresso).
 
Em 1947 a empresa admitiu como sócios os irmãos Hugo e Carlos Alberto, filhos de Orlando Rodrigues Cunha e passa a condição de S/A, com o nome de Cia. Cinematográfica São Luís. Em 1949 constrói e inaugura o Cine Vera Cruz, na confluência das ruas São Benedito com José de Alencar.

No setor farmacêutico implantou, com seu irmão Alberto e alguns companheiros, a Drogaria Triângulo, localizada na rua Manoel Borges, ao lado da Praça Rui Barbosa, cuja administração ficou a cargo de João de Carvalho.

Atuou fortemente na área industrial. Em 1924 junto com seu pai, Antônio Martins Borges e seu irmão Alberto Martins Fontoura Borges e José Ferreira de Mendonça, se associaram aos irmãos Heitor e José Baia Mascarenhas e fundaram, com 1.700 contos de capital, a Companhia Fabril do Triângulo Mineiro, na praça Dr. Adjuto, onde construíram uma grande fábrica de tecidos. Com a compra da fábrica de tecidos do Cassú que era de propriedade de Carlos Gabriel de Andrade, (Barão de Saramenha), unificaram as empresas em 1928, se constituindo na maior organização industrial até então existente em Uberaba e a única indústria têxtil de toda região do Triângulo Mineiro.
 
A fábrica fundada em 1882 pela família Araújo Borges, localizada às margens do ribeirão Caçu, bem perto da Casa do Folclore, chegou a ter uma vila com 100 residências, construídas pela própria empresa, “Fábrica de Tecidos Santo Antônio do Cassú” e cerca de 500 moradores.

No setor imobiliário Toniquínho loteou uma grande área da qual era proprietário, no bairro da Gávea, cidade do Rio de Janeiro. Residia em uma mansão situada na Lagoa Rodrigo de Freitas onde por diversas vezes foi assediado para vende-la ao governo americano para transforma-la em sua Embaixada.

Dotado de uma extraordinária argúcia comercial, percebeu que a Bolsa de Valores iria à bancarrota quando seu engraxate lhe comunicou, no início de 1971, que havia adquirido um lote de ações de algumas empresas. Com esta informação, sabendo que a dispersão das ações iria provocar um debacle, vendeu sua carteira de ações. Um dos poucos grandes investidores a se salvar da grande derrocada da Bolsa que abalou por muitos anos a economia brasileira.

Foram mais de sessenta anos de investimentos nos mais diversos setores econômicos. Seu vasto rebanho de gado selecionado o colocava na reconhecida posição de grande criador da pecuária nacional
No setor hoteleiro foi pioneiro na construção do primeiro grande estabelecimento do interior de Minas Gerais, tendo o Grande Hotel em sua história, o registro de hospedagem de grandes figuras da política brasileira e estrelas artísticas internacionais, como Tito Schipa, tenor italiano, que figura até hoje na galeria dos grandes interpretes de óperas.
 
Os cinemas faziam diversas sessões para comportar o público interessado nos grandes filmes que eram lançados. No final de semana, filas imensas se formavam frente ao Cine Metrópole, que se estendiam até a praça Rui Barbosa.

Nas palavras de Firmino Libório Leal da cidade de Conquista, Toniquínho Martins era um “Homem probo, integro, conciliador, de conduta ilibada. Com natural desprendimento, participou ativamente com largos haveres para a criação e construção da Santa Casa de Misericórdia de Conquista e da Escola Estadual de Conquista, atual Escola Estadual Dr. Lindolfo Bernardes dos Santos. Além disso, mantinha em suas propriedades dezenas de famílias, entre agregados e funcionários, onde, como patrão honesto e justo, tratava a todos com distinção, lhaneza, proteção e abrigo”.

No início da década de 1980, reconhecido como um dos mais brilhantes executivos brasileiros, Toniquinho, já chegando aos oitenta anos, resolveu que já estava passando da hora de começar a usufruir das benesses que lhe seriam propiciadas pelo grande império econômico que construiu em sua vida.
O destino, todavia, lhe reservou outro caminho. Ao chegar em sua casa na cidade de Conquista, de mudança definitiva de sua residência no Rio de Janeiro, foi acometido por uma grave doença que o impediu, de continuar sua vitoriosa jornada. Por algum tempo usava cadeira de rodas para sua locomoção para ver o seu gado nos currais de sua fazenda. Faleceu em 13 de maio de 1984, aos 86 anos de idade.

Sem o grande timoneiro e com as mudanças ocorridas em todos os setores da economia brasileira, as empresas de que Toniquínho Martins participava, passaram e algumas continuam passando por situações críticas.

O Banco Nacional do Comércio e Produção já havia sido incorporado pelo Banco da Lavoura que, por sua vez, foi incorporado pelo Banco Real e atualmente está sob o controle do Banco Santander.

Os cinemas, que já contaram com a administração, primeiramente dos sócios fundadores e mais tarde com a dos empresários Lúcio Ferreira Borges, Hugo Rodrigues da Cunha, Carlos Alberto Rodrigues da Cunha e Joaquim José, foram perdendo gradativamente sua clientela após a criação da Internet, obrigando-se ao fechamento de todas as salas de projeção.
 
O Grande Hotel, por não dispor de garagens, viu definhar o interesse de seus hóspedes. Com a possibilidade de o imóvel ir à leilão por impostos atrasados, Carlos Alberto Rodrigues da Cunha adquiriu a totalidade das ações e quitou com a Fazenda Nacional.
 
Por ser inventariado, Carlos Alberto elaborou um projeto de revitalização que foi aprovado pelo Conphau. Com seu falecimento, tudo voltou a estaca zero e não se sabe que destino irá ser dado ao hotel.

O Cine Teatro São Luiz foi leiloado para pagamento de débitos fiscais e trabalhistas. O Cine Vera Cruz foi adquirido pela Prefeitura Municipal de Uberaba, governo Anderson Adauto e é hoje Teatro Municipal.

Grande parte das fazendas mudaram de propriedade em decorrência de ações trabalhista em desfavor da viúva de Toniquínho.

A Indústria Têxtil, transferida da praça Dr. Adjuto para o DI, criado no governo de João Guido teve diversos administradores em sua longa existência. Em 1993 a empresa, sob o comando de Joaquim José e sua sócia e companheira, Sandra Magalhães, requereu sua própria falência, após 114 anos de atividade. Somente em 2020, 17 anos após a decretação da falência é que o imóvel foi arrematado por uma empresa chinesa.
 
Antônio Martins Fontoura Borges era casado com a senhora Cornélia de Oliveira Borges e tiveram um único filho, Joaquim José Martins Borges que faleceu em 18 de agosto de 2015, deixando uma filha do primeiro casamento e um filho, Antônio Martins Fontoura Borges Neto, fruto de seu segundo casamento com Sandra Gonçalves.

O pioneirismo de Antônio Martins Fontoura Borges e de seu irmão Alberto Martins Fontoura Borges, em conjunto com o grupo formado pela empresa de Orlando Rodrigues da Cunha, deu a Uberaba, por mais de cem anos, exemplos de arrojos em empreendedorismo. Todos os administradores da primeira e segunda geração, são hoje apenas saudades.

“Alberto Martins Fontoura Borges” é o nome da Avenida que passa em frente da antiga fábrica de tecidos, no bairro São Benedito.
 
“Orlando Rodrigues da Cunha” é nome de movimentada avenida no bairro da Abadia.
A comunidade de Uberaba fica devendo para o tributo da história as devidas homenagens à memória de Antônio Martins Fontoura Borges por tudo que este empreendedor visionário fez em benefício da cidade.

Gilberto de Andrade Rezende – Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Ex-presidente e conselheiro da ACIU e CIGRA. Ex-funcionário do Banco Nacional do Comércio e Produção S/A.
Fontes:
Guido Bilharinho – Livro - Uberaba Dois Séculos De História – Volume II;
Firmino Libório Leal – Artigo - Antônio Martins Fontoura Borges “Toniquinho”. Uma página esquecida na história de Conquista;
Superintendência do Arquivo Público de Uberaba;
Jornal da Manhã;
Museu do Zebu – livreto - Fazendas de criação do Triângulo Mineiro;
Carla Mendes Bruno Brady e Randolfo Borges Filho – livro A epopeia dos Borges;
Claudia Marun Mascarenhas Martins – Tese - As empresas do grupo Mascarenhas e o desenvolvimento de sociedades anônimas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

TITO SCIHPA, GLÓRIA MÁXIMA DO CINE METRÓPOLE

Até a década de 1980, o Cine Metrópole foi a mais elegante e sofisticada casa de espetáculos de Uberaba. Inaugurado em 1941, funcionava anexo ao imponente Grande Hotel que, na época, detinha simultaneamente os títulos de maior edifício de concreto armado e de melhor hotel do Brasil Central. Ambos eram empreendimentos de Orlando Rodrigues da Cunha, sócio diretor da Empresa Cinematográfica São Luiz e também do hotel. Um espelho do progresso da “Princesinha do Sertão” em uma das épocas de ouro da pecuária do gado Zebu.

Durante décadas, o Metrópole foi palco de grandes eventos na cidade. Nos anos 1950, quando as faculdades uberabenses começaram a formar suas primeiras turmas de alunos, o grande auditório lotava, recebendo as famílias orgulhosas que vinham assistir às cerimônias de colação de grau de seus filhos. Muitas vezes, tendo celebridades nacionais, como Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda, no papel de paraninfos. Mesmo em dias comuns, as sessões de cinema eram concorridas e as regras da casa exigiam que os frequentadores fossem devidamente trajados: aos homens, era obrigatório paletó e gravata.

A casa também recebia shows de música. Muitos que tiveram a chance de frequentar o cinema devem ter notado uma placa de bronze colocada no elegante hall de entrada com os dizeres: “TITO SCHIPA (glória máxima da Arte Lírica) cantou neste teatro – Grande Hotel – Uberaba, em XVII-VII-MCMXLI”. Dai surgiu uma lenda de que esse famoso tenor italiano teria cantado na inauguração da sala, o que não é verdade. Tanto o hotel como a sala de cinema foram abertos ao público no dia 8 de março de 1941, a apresentação de Schipa se deu dois meses depois, em 17 de maio – como indica a data gravada na placa em algarismos romanos.

Tito Schipa
Algumas semanas antes dele, já havia se apresentado na casa uma celebridade do canto nacional: Vicente Celestino, conhecido como “a voz orgulho do Brasil”. Nascido no Rio de Janeiro, filho de imigrantes calabreses, Celestino emocionava multidões interpretando com estilo dramático e vozeirão de tenor canções de sua autoria, como O Ébrio e Coração Materno. Fez tanto sucesso em Uberaba que a direção do Metrópole foi obrigada a abrir uma segunda apresentação, no dia seguinte, para atender à demanda do público.

“TITO SCHIPA (glória máxima da Arte Lírica) cantou neste teatro – Grande Hotel – Uberaba, em XVII-VII-MCMXLI”.
Foto: Antonio Carlos Prata

Embora também fosse tenor, Raffaele Attilio Amedeo Schipa era quase o oposto de Celestino. Nascido em 1888 na cidade italiana de Lecce, tinha um estilo de canto extremamente doce e sofisticado. Max Altman, um amante da música erudita que foi diretor do Teatro Municipal de São Paulo, descreveu como surpreendente o fato de que “um ‘tenor ligeiro’, como Schipa, tenha tido uma carreira tão longeva quanto frutífera, quando se inteira que era um cantor com demasiadas limitações vocais. Não possuía uma voz potente nem com tons musculares, tinha dificuldades com o floreado, não alcançava a emitir um dó de peito, faltava fundo a sua voz, e, ainda se fosse pouco, nem sequer contava com uma voz particularmente bela nem com potência. (…) Não obstante, é considerado um gênio. Seu instinto musical o colocou num lugar privilegiado da lírica mundial. Schipa, mais que nenhum outro cantor, soube tirar proveito de seus dons naturais, à base de engenho e inspiração, e criou um estilo original e personalíssimo de interpretação”.

O fato é que, em maio de 1941, Tito Schipa era uma astro internacional de primeira grandeza. Cantava em 11 idiomas diferentes, compunha canções em italiano e espanhol, havia gravado dezenas de discos, integrava o elenco da New York Metropolitan Opera e fazia enorme sucesso em nos EUA e em Buenos Aires. Poucos meses depois, tomou uma decisão desastrosa: voltou à Itália natal, onde tornou-se um artista de estimação do líder fascista Benito Mussolini. Embora tenha retornado à Nova York após o fim da Segunda Guerra Mundial, nunca mais fez o mesmo sucesso. Gravou pouco e dedicou-se ao ensino de música, até falecer em dezembro de 1965.

Na época Uberaba tinha 40 mil habitantes, a maior parte de baixo poder aquisitivo, muitos vivendo na zona rural. A decisão de pagar por uma uma apresentação de Schipa – que fazia uma temporada no Brasil – para cantar em uma casa de espetáculos no interior do País com mais de 1500 lugares, foi uma decisão arriscada da Empresa Cinematográfica São Luiz. Os ingressos foram vendidos a 20 mil reis, um bom dinheiro para a época. Não se sabe se a plateia lotou mas, segundo o escritor Guido Bilharinho, o evento teria dado prejuízo aos promotores. Uma ousadia que ficou imortalizada em bronze no saguão de um belo e histórico cinema, abandonado há décadas.


(André Borges Lopes)



Cidade de Uberaba