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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

CAPINÓPOLIS: UM MONSTRO E SEUS MISTÉRIOS

Em fevereiro de 1972, o norte do Triângulo Mineiro foi assombrado pelo medo. Assassinatos inexplicáveis em fazendas do entorno da cidade de Ituiutaba deixaram em pânico os moradores da zona rural. Cadáveres de homens e mulheres eram encontrados em fazendas, mortos por tiros de espingarda ou desfigurados por golpes de facão. Bezerros apareciam degolados nos pastos, sem que a polícia encontrasse qualquer pista dos autores dos crimes.

O pânico se espalhou pela região. Levantamentos da polícia davam indícios de uma trilha de mortes misteriosas, começando na região de Paracatu e descendo pelo vale do Rio Paranaíba até a cidade de Capinópolis, na época com cerca de 14 mil habitantes, a maioria na zona rural. Os pequenos destacamentos policiais eram impotentes para garantir a segurança da população e para encontrar os rastros dos assassinos.

O pânico logo se transformou em terror, com boatos correndo de boca em boca. Pessoas da região contavam ter avistado o “monstro” caminhando pelos campos e brejos: era descrito como um homem negro, alto e forte, de olhos vermelhos como o fogo. Sua habilidade de se esconder e fugir da polícia foi atribuída a poderes mágicos. O “monstro” teria um pacto com o diabo e se alimentaria do sangue dos bezerros. Disfarçava-se durante o dia na forma de um boi preto ou de um ninho de cupins. Podia virar fumaça e deslocar-se na velocidade do vento para cometer crimes que aconteciam no mesmo dia a dezenas de quilômetros de distância.

Notícias de mais de 12 mortes chamaram a atenção da grande imprensa, que enviou jornalistas. Jornais, rádio e televisão falavam sobre o “louco do Pantanal” ou “monstro de Capinópolis”, cobrando respostas. O governo de Minas Gerais montou uma operação de guerra, sob comando da Polícia Militar. Cerca de 200 homens do 4º Batalhão de Uberaba foram deslocados para a região sob comando do tenente-coronel Newton de Oliveira, que recebeu reforços de Uberlândia e Belo Horizonte. Caminhões com militares armados de fuzis e metralhadoras, acompanhados de cães rastreadores, cruzavam as estradas do Vale do Paranaíba, uma verdadeira caçada humana.

Nas pequenas cidades, o clima de suspense era ampliado pela chegada de moradores do campo, que fugiam em busca de segurança. Ninguém ousava dormir nas fazendas, as aulas foram suspensas nas escolas e as portas e janelas das casas passaram a ser trancadas a ferrolho e chave. Ruas ficavam desertas à noite mas, durante o dia, curiosos reuniam-se nas praças e bares para saber das novidades. Militares e policiais de passagem eram cercados por repórteres e moradores em busca de informações.

Em 3 de março, uma notícia na capa do jornal Correio Brasiliense contava que o “louco-assassino” havia escapado de um cerco formado por mais de 400 homens. Havia a suspeita de que se tratasse de um ou mais detentos, recentemente fugidos de uma penitenciária em Goiás. Cinco dias depois, o jornal contava que o “monstro” dera um drible nas forças policiais, dessa vez “conseguindo escapar de tiros de revolveres, metralhadoras e granadas de gás lacrimogênio”, reaparecendo logo depois em lugar muito distante.

Orlando Sabino Camargo.

Finalmente, em 10 de março, o maníaco acabou sendo encontrado e preso por 60 soldados da PM mineira, às margens do Rio Tijuco, em Ipiaçu. Identificado como Orlando Sabino Camargo, natural de Arapongas, no Paraná, foi levado ao centro de operações em Capinópolis, para ser apresentado a jornalistas e autoridades, que se amontoavam em torno da delegacia. Ao entrar na sala, causou enorme decepção. Orlando era um homem negro de idade indefinida, cabelos desgrenhados, magro e franzino, com pouco mais de 1,60 de altura. Descalço, vestia roupas surradas e tinha um ar assustado, que lembrava um adolescente com evidentes distúrbios mentais. Respondia com frases curtas às perguntas dos jornalistas e dos policiais. Segundo a polícia, havia assumindo a autoria de ao menos cinco dos crimes investigados. No interrogatório, era premiado com lascas de rapadura a cada resposta que dava. Levado ao Instituto de Medicina Legal de Uberaba, foi diagnosticado com oligofrenia, o que lhe rendeu mais de 38 anos de internação num manicômio judiciário. Libertado em 2011, viveu mais dois anos em uma casa de repouso, antes de morrer de infarto. 

Na época, pouca gente acreditou que um andarilho miserável com problemas mentais tivesse mesmo cometido todas aquelas atrocidades, mas a sua prisão encerrou a série de crimes. O Brasil vivia o período mais duro da ditadura militar de 1964. Órgãos de repressão do governo combatiam os grupos de oposição armada ao regime, entre eles os que tentavam montar um foco guerrilheiro na região do Rio Araguaia. Com a imprensa sob censura e a oposição mantida sob controle, questionar versões oficiais da polícia e de militares representava um sério risco, inclusive de vida. Só recentemente, a história oficial do “monstro de Capinópolis” passou a ser contestada. Falaremos disso na próxima semana.


(André Borges Lopes)




Cidade de Uberaba

ERAM OS UBERLANDENSES ASTRONAUTAS?

Uma das mais antigas frustrações dos brasileiros vem da falta de exuberância visual das descobertas arqueológicas nacionais. Nos países da América espanhola, sobram pirâmides, cidades e palácios de pedra, com histórias de salas cheias de ouro e prata. Aqui nos restaram pinturas rupestres, sambaquis de conchas e cacos de cerâmica de tribos extintas. Por vezes, mais antigas e tão importantes quanto palácios, mas nada que renda filmes de mistério e aventura ao estilo Indiana Jones.
Por isso, desde os tempos coloniais, sempre foram populares no Brasil as lendas arqueológicas. Histórias fantásticas de cidades perdidas nas serras do Planalto Central, montanhas cobertas de cristais brilhantes, o fantástico Eldorado na imensidão da selva amazônica. Um desses mitos ficou famoso: em 1839, o naturalista Manuel Lagos encontrou na Livraria Pública da Corte (atual Biblioteca Nacional) um manuscrito antigo e carcomido intitulado “Relação histórica de uma occulta, e grande povoação antiquíssima sem moradores”.

Tratava-se do relato de uma expedição de bandeirantes que, após vagar por anos pelos sertões da Bahia, chegara às ruínas de uma cidade abandonada, cheia de praças, palacetes e estátuas. Publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o texto ganhou fumos de seriedade. Nas décadas seguintes, expedições buscaram sem sucesso essa “Cidade Perdida da Bahia”, vagamente localizada entre a Chapada Diamantina e as Serras do Sincorá.

Anos antes dos fósseis de dinossauro começarem a revelar nossos reais tesouros paleontológicos, o Triângulo Mineiro teve um breve momento de glória no terreno das fábulas de civilizações perdidas. Graças ao jornal “O Estado de São Paulo” que, na edição do dia 09 de dezembro de 1916, publicou uma carta enviada à redação por um uberabense de nome Marçal Ferri. Na carta, Ferri contava ter recebido do Dr. José Camin, engenheiro e vereador na vizinha Uberabinha (atual Uberlândia), o relato de uma descoberta fantástica.

O “raizeiro” José Gomes da Fonseca, apelidado “Zé Creca”, buscava raízes nas terras de uma fazenda a seis léguas do centro da cidade, quando topou com uma gruta escondida, cuja entrada estava obstruída por espinheiros e infestada de marimbondos. Com ajuda de seu irmão, espantou os insetos, abriram a entrada e, munidos de tochas, adentraram num túnel com cem braças (180 metros) de extensão. No final, encontraram uma habitação abandonada com 14 cômodos. Havia mobília variada, feita em aroeira e “pintada com gosto”, além de “pratos de barro claro trazendo pinturas esquisitas”. Pelo estilo, os objetos “demonstravam ser do período pré-histórico, talvez até do período anti-diluviano”(sic).

O relato não parava ai: das paredes “pendiam, imitadas em massa duríssima, cabeças humanas e felinas ricamente enfeitadas com ornamentações em ouro”. Por fim, a cereja do bolo: descobriram 17 “cadáveres mumificados muito bem conservados (…) que, pelo que se pode concluir da sua extraordinária estatura, pertencem a um tipo de índios até hoje desconhecido”. Dr. Camin concluía dizendo que, na sua opinião, “o presente achado constitui para nossos historiadores e arqueólogos um fato de grande importância” a merecer uma investigação por cientistas competentes.

A carta saiu sem qualquer destaque ou comentário no matutino paulista, mas não passou batida pelos demais órgãos da imprensa. Nos dias seguintes, jornais do Rio de Janeiro e de várias cidades do País deram espaço, por vezes até na capa, para a assombrosa descoberta do raizeiro Zé Creca, citando como fonte o respeitável Estadão. Logo, o jornal foi inundado por mensagens em busca de informações. A notícia se espalhou pelo Triângulo e muitos curiosos foram atrás do Dr. Camin, querendo conhecer a tal gruta.

Pressionado, o Estadão mandou um correspondente à região apurar melhor a história. No dia 15 de dezembro, teve de publicar um desmentido. Nas fazendas do entorno, ninguém ouvira falar da gruta. O raizeiro Zé Gomes (que não era Fonseca e nem tinha o apelido Zé Creca) de fato existia, mas não fazia idéia do que se tratava. O Dr. José Camin negou a autoria do relato e garantiu que jamais havia escrito a carta para o tal Marçal Ferri de Uberaba, do qual ninguém dava notícia. Em resumo, algum gaiato havia “trollado” o Estadão em grande estilo – e o estrago já estava feito.

(André Borges Lopes)



Cidade de Uberaba

domingo, 30 de dezembro de 2018

CAPINÓPOLIS: UM MONSTRO E SEUS MISTÉRIOS (II)

Há duas semanas, contei a história do “monstro de Capinópolis que assombrou o Triângulo Mineiro nos primeiros meses de 1972. Depois de um cerco policial que durou semanas e eletrizou a população do país – o caso chegou a ser relatado no Jornal Nacional e nas páginas de revista Veja – a polícia prendeu Orlando Sabino Camargo, um andarilho negro e franzino de 25 anos de idade com problemas mentais evidentes, que teria confessado a autoria de alguns dos crimes.

No final das contas, Orlando foi responsabilizado por um total de 25 assassinatos, sendo 13 em Minas Gerais e 12 em Goiás, além da morte de 19 bezerros. A maioria dos homicídios aconteceu na zona rural, sem presença de testemunhas, e nunca foi apresentada uma lista formal, com os nomes de todas as vítimas e as circunstâncias de cada morte. Examinado por uma junta médica, Orlando foi diagnosticado com oligofrenia e considerado inimputável. Acabou condenado pela Justiça a internação compulsória por tempo indeterminado em um manicômio judiciário na cidade de Barbacena, onde ficou detido por mais de 38 anos, até ser transferido para um lar de idosos, onde faleceu em 2013.

A prisão do “Monstro” colocou um fim nas mortes misteriosas no vale do Rio Paranaíba e deu resposta às cobranças da população. Mas muita gente não ficou convencida de que Orlando teria sido o responsável por todos os crimes. Interrogado pela polícia e por jornalistas, o suposto “assassino serial” limitava-se a confirmar a autoria das mortes com monossílabos e frases simples. Perguntado sobre sua motivação, dizia que “matava para comer”. Além disso, sua compleição física estava distante das fantasias criadas pela imprensa nos dias em que a região viveu a caçada humana: uma fera assustadora, com força e velocidade assombrosas, além de poderes fantásticos de dissimulação.
A morte dos bezerros e alguns dos homicídios se encaixam na narrativa de crimes praticados por alguém mentalmente perturbado. Mas houve casos de pessoas abatidas a tiros, em circunstâncias mal esclarecidas. Em ao menos um dos assassinatos, o do fazendeiro Oprínio do Nascimento, foi possível identificar o projétil responsável pela morte: uma bala .44, de uso exclusivo das forças de segurança, incompatível com a espingarda enferrujada que a polícia alegou ter apreendido com Orlando. Havia na sequência dos crimes a ele atribuídos alguns acontecidos com pouca diferença de tempo em lugares distantes, algo impossível para alguém que andava a pé vagando pelos campos, evitando estradas e já procurado pela polícia.

O Brasil vivia o período mais duro da ditadura de 1964, com a imprensa sob censura prévia, e ninguém ousava questionar versões oficiais. Mas um dos motivos da desconfiança era o tamanho do aparato mobilizado para capturar um criminoso tão singelo. O então governador mineiro Rondon Pacheco, natural de Uberlândia, envolveu-se diretamente na coordenação da buscas. No auge da perseguição, alguns relatos falam da participação de mais de mil agentes, entre soldados da Polícia Militar e investigadores da Civil, contando com o apoio do Exército, de aviões, helicópteros, cães rastreadores e de algumas dezenas de voluntários.

No final dos anos 1970, com a abertura política, alguns jornalistas começaram a questionar a história oficial. Em 1979, o uberabense Joaquim Borges divulgou a versão de que a perseguição a Orlando Sabino teria sido uma cortina de fumaça para encobrir as buscas por guerrilheiros de esquerda que estariam se escondendo na região do Pontal do Triângulo. Em 2011, Pedro Popó lançou o livro-reportagem “Monstro de Capinópolis” onde joga luz sobre a fragilidade das acusações. Em 2014, o jornalismo da rede de televisão SBT produziu uma reportagem sobre o caso, que pode ser encontrada no YouTube.

Orlando Sabino “ Monstro de Capinópolis”

Publicado em 2016 pela Editora da Universidade Federal de Uberlândia, o segundo tomo do “Relatório da Comissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba” traz os resultados das investigações sobre o assunto, sem que tenham sido encontradas respostas definitivas. Alguns pesquisadores consideram que a sequência de assassinatos possa ter servido para ocultar ajustes de contas pessoais e crimes por outras motivações, que ao final foram atribuídos a Orlando Sabino – deixando os verdadeiros autores impunes.

A tese da perseguição a guerrilheiros nunca foi devidamente comprovada. Mas há ao menos um indício bastante curioso. No meio da caçada ao “Monstro de Capinópolis”, as autoridades relataram à imprensa a prisão de um cidadão paraguaio de nome Gerardo Martinez Herrera, que despertou suspeitas ao procurar trabalho numa fazenda da região. Investigado, descobriu-se que o homem teria curso superior e havia sido militar no país vizinho. Tão rápido como surgiu, o tal Herrera desapareceu dos noticiários. Até hoje, a sua prisão é um mistério absoluto.


André Borges Lopes








Cidade de Uberaba

OS MENINOS DE SAIOTE DO IÊ-IÊ-IÊ

No ano de 1968 – aquele “que não terminou” no livro do jornalista Zuenir Ventura – a ditadura militar fechava cada vez mais os espaços de manifestação política. Mas por outro lado, a cultura brasileira vivia um dos seus grandes momentos. A cena musical se agitava com a disputa entre os jovens irreverentes da Jovem Guarda e os engajados da MPB, que dividiam corações e mentes nos grandes festivais. No cinema, Roberto Carlos em ritmo de aventura alternava as salas com o francês A Bela da Tarde, estreado por Catherine Deneuve.

Uma das principais palcos da capital carioca era o Canecão, misto de restaurante e casa de shows no bairro de Botafogo. Em março de 1968, a sensação da casa era um show que misturava bandas de rock & roll com malabaristas e dançarinas. Uma das bandas fazia furor, com rapazes tocando de saia uma música de alta qualidade. O nome dessa banda era Mugstones, e sua origem a pacata cidade mineira de Uberaba.

A roupa não era exatamente uma saia, mas sim um “kilt”, saiote escocês em pano xadrez vermelho. Os sete jovens eram José Raul Parada (saxofone), Luiz Humberto “Luizinho” Silveira (guitarra), Luiz “Luizão” Motta (baixo), Laerte de Oliveira (piston), Eurípedes “Pardal” de Oliveira (bateria), Braz “Bazzani” Lamboglia Júnior (guitarra), Márcio Antônio Vieira “Marc Antonov” (guitarra). Todos então na faixa dos vinte e poucos anos, colegas de infância e adolescência vivida no Triângulo Mineiro,

O conjunto surgira como as bandas de garagem dos anos 1960: um grupo de amigos com talento que se reunia para tocar os sucessos da época: o rock & roll e músicas da Jovem Guarda que bombava nas rádios e nas TVs. Conhecido como “Os Poligonais”, se apresentava nas praças da cidade e no clube da Associação Comercial. Chegaram a gravar um primeiro disco compacto. Em pouco tempo, ficou claro que Uberaba era pequena para o talento da banda. No comecinho de 1967, fizeram um grande show de despedida na praça Rui Barbosa e se mandaram para São Paulo.

As emissoras de televisão das capitais brigavam pela audiência entre os jovens com programas musicais de auditório. Na capital paulista, os Poligonais encantaram o produtor musical Glauco Ferreira que gostou do embalo do grupo, mas achou o visual pouco arrojado. O nome também tinha problemas: era usado por um outro conjunto de bossa nova.

Foi quando surgiu o “Mugstones”. No ano anterior, um boneco de pano vestido de saiote escocês, tornou-se uma febre ao ser adotado como mascote por celebridades como Wilson Simonal e Chico Buarque. O simpático “MUG” e um alfaiate talentoso deram origem ao uniforme do grupo. Em fevereiro de 1967, já com os saiotes e o novo nome, a banda estreou no Rio de Janeiro em grande estilo: fizeram um dos shows de abertura do cantor francês Johnny Halliday no ginásio do Maracanãzinho, ao lado de astros nacionais como o cantor Ronnie Von

A ousadia de um bando de marmanjos usando saias deu ao grupo destaque na mídia. Em abril, participaram do programa humorístico “Riso 40 graus” da TV Tupi. A qualidade musical e o repertório – do samba ao iê-iê-iê, com algumas pitadas de jazz – animou a gravadora Polydor a incluí-los no elenco. Em maio, chegou às lojas um compacto simples da banda, com duas músicas: A grande parada e Sozinho eu seguirei. Meses depois, foram incluídos num LP da coleção “Os novos reis do Yê Yê Yê”. O sucesso dos discos convenceu dono da boate “Candelabre” de Copacabana a contratar os moços para uma temporada.

No final de 1967 foi lançado o primeiro LP dos Mugstones, com uma foto da banda na capa. Segundo o livro Jovem Guarda em ritmo de aventura, o disco destacava-se pela originalidade: trazia covers de sucessos e de músicas originais do grupo, além arranjos muito bonitos para canções como Upa negrinho (de Edu Lobo e Guarnieri) e o clássico O sole mio. No ano seguinte, estrelas do espetáculo no Canecão, apareceram em reportagens em jornais e revistas. Viajaram pelo Brasil apresentando-se em Salvador, Recife, Belém do Pará e Porto Alegre. Morando no Rio, os jovens compraram uma grande caminhonete, que os transportava para shows na cidades do interior – uma das poucas bandas nacionais a contar com esse recurso.

Em 1969, em paralelo aos shows, o grupo fez uma participação o especial num dos episódios do filme “Como vai, vai bem?” do cineasta Alberto Salvá, contracenando com os atores Flavio Migliacio e Paulo José. Pouco tempo depois, com o fim da febre do Iê-Iê-Iê , o grupo se separou e cada um foi para o seu lado. Pardal e Luizinho continuaram ligados à música: o primeiro faleceu em Uberaba em 2015. Luizinho vive em Goiânia, mas às vezes aparece na nossa cidade com seu acordeon.

(André Borges Lopes)




Cidade de Uberaba

OS AGRADINHOS DE DONA CHIQUINHA

Em 1º de abril de 1964, um golpe militar depôs o presidente João Goulart, dando início a uma ditadura de duas décadas. Mas nos primeiros meses que se seguiram ao golpe, os uberabenses tiveram algo mais com o que se preocupar além da conturbada política nacional. Enquanto nas capitais sucediam-se cassações de mandato e prisões de opositores, a polícia de Uberaba estava preocupada em desbaratar uma história pavorosa: o caso dos “agradinhos” envenenados de Dona Chiquinha, que supostamente haviam deixado um rastro de doze mortos no bairro da Abadia.

A história tinha começado em fevereiro, quando uma moradora do bairro procurou a polícia para contar uma história assustadora. Maria Eduarda Costa, de 46 anos, era vizinha de Francisca Coelho do Nascimento, uma conhecida benzedeira do alto da Abadia. Na sua casa na rua Campos Sales, Dona Chiquinha, de 52 anos, fazia rezas, magias e ritos aparentemente ligados à umbanda. Dava conselhos amorosos e encomendava trabalhos para reunir amantes e espantar rivais no amor e nos negócios. Maria Eduarda acusava a vizinha de acelerar os resultados das mandingas mandando guloseimas temperadas com veneno de rato às vítimas de seus trabalhos: os “agradinhos”. Nessa toada, seria autora de meia dúzia de assassinatos.

Os policiais custaram a acreditar na história de Mariinha, moça um tanto confusa e perturbada. Mas ela tanto insistiu que o delegado José Geraldo decidiu colocar investigadores para esclarecer o caso. Dona Chiquinha, trazida para depor, surpreendentemente confirmou parte das acusações. Havia envenenado cinco pessoas: um marido, um amante, uma sogra, uma cunhada e a filha de uma rival. Para piorar a história, devolvia acusações e dizia que o total de mortos chegava a doze. Os outros sete por conta de Mariinha e de duas outras mulheres: Francisca Ferreira e Maria Helena, que haviam requisitado seus serviços. Os crimes teriam começado em 1957, envolvendo pessoas humildes dos bairros populares da cidade.

A notícia caiu como uma bomba. Jornais e os radialistas não falavam de outra coisa. Todo mundo correndo atrás das histórias das vítimas e questionando as autoridades: como uma série tão longa de crimes não despertou suspeitas da polícia? As quatro mulheres tiveram a prisão preventiva decretada por um juiz local e foram isoladas numa cela da cadeia local. Presas, Dona Chiquinha e Mariinha não se negaram a dar entrevistas à imprensa, na qual trocavam acusações e alimentavam os noticiários com detalhes picantes das histórias, que envolviam violência doméstica, triângulos amorosos, ciúmes e intrigas familiares.

A confissão das acusadas não bastava para embasar o processo, e a polícia teve que ir em busca de provas. Foi quando ficou evidente a confusão e a falta de cuidado das autoridades com os casos de mortes entre a população mais pobre. Das doze mortes confessadas, a polícia só encontrou registro oficial de oito, das demais não se tinha notícia. Os atestados de óbito de sete das oito vítimas nada diziam quanto a suspeitas de envenenamento, apontando outras causas da morte. Em apenas um caso, uma moça de 20 anos morta em 1962, o médico legista Dr. Jorge Furtado (então prefeito da cidade) havia solicitado exame das vísceras em Belo Horizonte. Dois anos depois, ninguém havia se preocupado em pedir de volta o resultado dessa análise que, descobriu-se então, confirmava a presença de arsênico.

Para complicar, uma revista na casa de dona Chiquinha não encontrou amostras do veneno. As tentativas de exumar os cadáveres revelaram uma enorme confusão no cemitério local: dos oito mortos, só foi possível localizar com segurança os restos mortais de um e a análise de laboratório foi inconclusiva. Exames médicos em pessoas que teriam supostamente sobrevivido às tentativas de envenenamento não revelaram muita coisa. E uma análise psiquiátrica feita por médicos da Faculdade de Medicina comprovou transtornos mentais na delatora Mariinha. Com evidências tão frágeis, não foi difícil aos advogados de defesa conseguir revogar a prisão no Tribunal de Justiça. Liberadas, as mulheres acusadas – com exceção da delatora – mudaram-se da cidade.

Dois anos depois, o repórter José Hamilton Ribeiro fez na Revista Realidade uma matéria sobre o caso. Segundo ele, o processo ainda se arrastava na Justiça e a promotoria tinha dúvidas se conseguiria reunir provas para levar o caso a júri popular. Como de costume, a historia dos agradinhos já havia sumido do noticiário para dar lugar a crimes mais recentes.

(André Borges Lopes)






Cidade de Uberaba

PEDRAS QUE CAEM DO CÉU

No início da noite do dia 7 de maio desse ano, um clarão riscou os céus da nossa cidade e chamou a atenção dos uberabenses. Avistado e fotografado também em outras localidades do Triângulo Mineiro e do Noroeste Paulista, os técnicos estimam que o fenômeno tenha sido causado por uma pequena rocha espacial de menos de um quilo, que entrou na atmosfera terrestre a cerca de 100 mil km/h de velocidade nas imediações da cidade paulista de Jaborandi. Atravessou a divisa com Minas Gerais e cruzou o firmamento a grande altitude, queimando pelo atrito com o ar por mais de 120 km até desaparecer sobre a cidade de Campo Florido. Várias pessoas registraram esse evento em fotos e vídeos, que podem ser vistos na Internet.

Dezenas de milhares de objetos entram na atmosfera terrestre todos os anos causando esses fenômenos, conhecidos como “queda de meteoro” ou ainda “estrela cadente”. Desses, somente pouco mais de uma centena atingem a superfície do planeta e ganham a denominação de “meteorito”. O mais famoso meteorito brasileiro é o Bedengó, que ganhou fama nos últimos dias por ter resistido à tragédia que se abateu sobre o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Rocha metálica formada por 5,3 toneladas de ferro e níquel, foi descoberto em 1784 no sertão da Bahia, e transportado um século depois – a duras penas – para a antiga capital do Império.

O Bedengó é ainda hoje um dos maiores meteorito em exposição no mundo. No Brasil, só foi superado em tamanho por um gigantesco objeto metálico encontrado em 1875 na região de São Francisco do Sul, estado de Santa Catarina. Rico em níquel, a pedra foi quebrada em pedaços e vendida como minério para a Inglaterra. Pesquisadores estimam seu tamanho entre 7 e 25 toneladas.

Bem mais modesto é o meteorito “Uberaba”, que também fazia parte da coleção do museu incendiado, e ainda não sabemos se sobreviveu ao incêndio. Formado por 40 kg de rocha, caiu no dia 29 de junho de 1903 próximo à sede de uma fazenda nas imediações de nossa cidade, assustando muita gente e destelhando algumas casas. Apavorado com o fenômeno, o proprietário vendeu a fazenda. Antes de ser recolhido por cientistas, foi cultuado como uma pedra mística: conta-se que muitas pessoas rezavam no local da queda e quebravam pedaços para fazer chás com supostos poderes medicinais.

Outro meteorito que causou comoção em nossa cidade foi “Santa Luzia”, que caiu em 1919 próximo à pequena cidade goiana de mesmo nome (atual Luziânia, DF). O objeto metálico de quase duas toneladas causou um pequeno terremoto ao bater no solo e abrir uma cratera, mas o local da queda só foi descoberto alguns anos depois. Conta-se que o dono das terras vendeu o meteorito a um interessado que, sem conseguir carregá-lo, começou a vendê-lo em pedaços. Um desses fragmentos foi enviado para análise na Escola de Minas de Ouro Preto, onde constatou-se que era um objeto espacial do tipo ferroso. Diante disso, o governador goiano decidiu doá-lo ao Museu Nacional.

O transporte também foi penoso, e enfrentou alguma resistência da população local, que tinha o costume de fazer amuletos com fragmentos da “pedra que caiu do céu”. No dia 30 de agosto de 1928, ele começou a ser retirado da cratera e para ser levado em carro de boi até a estação de trem de mais próxima, na cidade de Vianópolis – onde só chegou em 17 de outubro. Nos dias seguintes, foi colocado em um trem especial que rumou para São Paulo parando nas principais cidades do caminho. No dia 23 de outubro de 1928 a pedra passou por Uberaba e o povo fez fila junto a estação da Mogiana para ter uma chance de ver o estranho objeto sideral – que também resistiu ao incêndio no Museu carioca.

Mas o evento mais famoso aconteceu no dia 3 de junho de 1956. Eram 17:30 de uma tarde fria de outono quando um estrondo e um clarão repentino aterrorizaram a população de Uberaba. Um objeto luminoso atravessou o céu da cidade de leste para oeste, em altíssima velocidade até sumir no horizonte, deixando uma impressionante trilha de vapores e fumaça. Minutos depois, o fotógrafo Wagner Schroden Jr. registrou o rastro no céu, iluminado pela luz do por do sol. A foto ganhou destaque no jornal Lavoura e Comércio do dia seguinte e correu o mundo. A revista “A Cigarra” fez uma matéria de três páginas sobre o evento.

A rocha seguiu se despedaçando em explosões sucessivas sobre o Pontal do Triângulo, e seu maior fragmento, com cerca de 100 kg, caiu a cerca de 70 km a noroeste da cidade de Paranaíba, no atual Mato Grosso do Sul. O meteorito “Paranaíba” também foi recolhido ao Museu Nacional, mas antes o padre da cidade mandou erigir uma cruz, marcando o local da queda.


(André Borges Lopes)



Cidade de Uberaba

O VINHO UBERABENSE DO PADRE ZEFERINO

Há duas semanas, falei das uvas e vinhos do Padre Zeferino, destruídos pela repressão aos que apoiaram a Revolução Liberal mineira. Mas o movimento de 1842 também trouxe benefícios à região de Uberaba. Um dos mais duradouros foi a transferência do Colégio do Caraça que – para se afastar da agitação política – deixou às pressas as serras ao norte da antiga capital Ouro Preto e se instalou em uma fazenda em “Campo Belo da Farinha Podre”, atual cidade de Campina Verde.

Encravado nas montanhas da Serra do Espinhaço, o “Santuário do Caraça” é um ponto turístico histórico de Minas Gerais. Foi o primeiro grande empreendimento no Brasil da Congregação da Missão – ordem religiosa conhecida como ”lazaristas” ou “Irmão Vicentinos” – que, vinda de Portugal antes da independência, aqui chegou em 1818. Dois anos depois, receberam de Dom João VI as terras onde havia a “Ermida do Irmão Lourenço”, uma capela barroca e uma hospedaria para peregrinos que se aventuravam pela Serra do Caraça.

Em poucos anos, a ermida semiabandonada transformou-se num colégio interno e um seminário, inaugurados em 1921. Famoso pela seriedade e rigidez da disciplina, o Caraça tornou-se referência de ensino para a elite brasileira do século XIX. Ex-alunos fizeram carreira como governadores de estado, senadores, deputados, empresários e autoridades religiosas – entre eles dois presidentes da República: Afonso Pena e Artur Bernardes. Colégios particulares do Rio de Janeiro faziam anúncios destacando que seguiam o “método Caraça” de ensino científico, religioso e moral.

Nos anos após a independência, havia muita desconfiança política em relação a padres estrangeiros vinculados às ordens em que os superiores estavam na Europa. Mas não são claros os motivos que levaram à fuga dos lazaristas durante a Revolução que – por dois meses e dez dias – transformou Minas Gerais num campo de batalha entre liberais e conservadores do Império. Há versões que falam da adesão dos religiosos a um ou a outro lado do conflito, e do temor de retaliações. Fato é que, em 24 de agosto de 1842 – dias depois da derrota do rebelde Teófilo Otoni para forças comandadas pelo Duque de Caxias na batalha de Santa Luzia – o então diretor do colégio, Padre Antônio Viçoso (futuro Bispo de Mariana), transferiu-se para o Triângulo Mineiro carregando alunos, professores, escravos, livros e parte dos equipamentos. Uma viagem de 700 km em carroças e tropas de mulas, pelas estradas precárias da Província.

O colégio instalou-se em três grandes fazendas – Campo Belo, Fortaleza e Paraíso – na região de Campina Verde. Terras que haviam sido doadas aos Vicentinos em 1830 pelo fazendeiro João Batista de Sequeira e sua mulher Bárbara – descendente de índios Caiapós – que não tinham filhos nem herdeiros. Os doadores pediram em troca a construção de uma capela para celebração de missas aos domingos e dias santos, a construção de uma escola de “primeiras letras” e , quando houvesse condições, que fossem ministradas aulas de gramática latina e outros estudos “que o reverendíssimo superior julgar que se estabeleçam”.

A transferência do Caraça cumpriu por algum tempo as promessas. O “Colégio e Seminário de Campo Belo” foi pioneiro na difusão de cultura, educação e religião no Sertão da Farinha Podre – região esquecida do Império, de escassas escolas. Cumpriu também missões de catequese dos índios Caiapós, que ainda habitavam grandes áreas do Triângulo, e ofereceu uma alternativa de educação formal para os filhos dos donos de fazendas agrícolas e de criação de gado de Minas, Goiás e Mato Grosso. Relatos da época dizem que um terço dos alunos estudava gratuitamente, ou “pelo amor de Deus” nos termos de então.

O mais ilustre dos alunos dessa escola foi o escritor Bernardo Guimarães – autor dos romances “Escrava Isaura” e “O Seminarista” – que ambientou em Campo Belo um de seus contos: “Jupira”, história de amor e tragédia entre uma índia Caiapó e um português, publicada em 1872. Também foram alunos do colégio em Campina Verde o político Eduardo Montandom, futuro presidente da Província de Goiás, o advogado e compositor Antônio Cesário de Oliveira Filho (Major Cesário) e diversos intelectuais que fariam carreira como professores e profissionais liberais em Uberaba.
Em 1856, o Caraça retornou definitivamente à sede original, agora tendo à frente padres Vicentinos vindos da França. Foi o início de sua época de ouro como centro de formação da intelectualidade brasileira. 



(André Borges Lopes)



Cidade de Uberaba

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

UMA LENDA DO AUTOMOBILISMO EM UBERABA

Jovens que acompanham as disputas entre Lewis Hamilton e Sebastian Vetel provavelmente já ouviram seu nome. Mas fora do círculo de fãs da Fórmula 1, poucos se lembram de Juan Manuel Fangio, ídolo de Airton Senna e lenda histórica da principal categoria do automobilismo mundial ao conquistar cinco títulos (1951, 1954, 1955, 1956 e 1957) e dois vice-campeonatos (1950 e 1953). Desempenho que só seria superado quase meio século mais tarde, pelo heptacampeão alemão Michael Schumacher.

O jornal uberabense "O Triângulo" do dia 24 de junho de 1941
noticia a passagem pela cidade dos competidores da
"Prova Automobilística Presidente Getúlio Vargas".

O que bem pouca gente sabe é que o argentino Fangio conquistou a segunda vitória importante de sua carreira em uma corrida de longa distância disputada no Brasil. E que uma das etapas dessa prova teve como palco a cidade de Uberaba, onde os competidores passaram a noite de 23 para 24 de julho de 1941. Juan Manuel Fangio (nascido em 1911 na pequena cidade de Balcarce, próxima a Mar del Plata) estava em nossa cidade no dia em que completou 30 anos de idade. Ele começava a despontar nas pistas do país vizinho e havia sido convidado a disputar no Brasil o “I Grande Prêmio Automobilístico Getúlio Vargas”.

O cartaz promocional da prova, ainda com a data em maio A corrida acabou adiada para
os dias 22 a 28 de junho de 1941.

Foto do acervo do Arquivo Nacional

No início de 1941 a 2ª Guerra Mundial devastava a Europa. Depois de conquistar a França e desfechar uma campanha de bombardeios contra a Inglaterra, Hitler direcionava suas ambições para a União Soviética, invadida no final de junho. Argentina e Brasil, assim como os Estados Unidos, seguiam neutros no conflito. A guerra havia paralisado as atividades automobilísticas no velho continente, e os pilotos das Américas buscavam alternativas. Fangio, que estreara no automobilismo em 1936, corria há pouco mais de dois anos na categoria “Turismo Carretera”, que fazia muito sucesso em seu país: provas longas, disputadas em estradas de rodagem, com veículos de passeio adaptados. Em outubro de 1940 havia vencido sua primeira prova importante: o “Gran Premio Internacional del Norte”, disputado entre Buenos Aires e Lima, no Peru.

O Chevrolet Coupé 1940 de Juan Manuel Fangio alinhado para a largada em Vigario Geral, no Rio de Janeiro, na manhã do dia 22 de junho de 1940.

Foto do acervo do Arquivo Nacional.

O Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas em 1937. Nos anos anteriores, o automobilismo nacional havia deslanchado com a inauguração, no Rio de Janeiro, do “Circuito da Gávea”, sinuoso trajeto de rua entre o Leblon e São Conrado, onde eram disputadas provas perigosas e emocionantes. Pilotos como Manuel de Teffé, Chico Landi e o italiano Carlo Pintacuda começavam a ganhar fama. Em 1939, o Automóvel Clube do Brasil planejou uma prova turística de longa distância, não competitiva: o “Rallye Interestadual Presidente Getúlio Vargas”. Em 1940, foi aberto o Autódromo de Interlagos, em São Paulo.

Na foto da esquerda, feita no Rio de Janeiro, o embaixador argentino Labougle com os pilotos Oscar Garcez e Manuel Fangio (abraçados). À direita, o piloto uruguaio Jorge Mantero ao lado do seu Ford V-8.

Foto do acervo do Arquivo Nacional.

No início de 1941, anunciou-se para o mês de maio o “I Grande Prêmio Automobilístico Getúlio Vargas”: uma ambiciosa prova competitiva de 3.371 km extensão, dividida em sete etapas, com a maior parte do percurso cruzando as precárias estradas de terra de então. A prova acabou sendo adiada em um mês: teve início no dia 22 de junho no Rio de Janeiro. As etapas eram: 1) 22/06 – Rio de Janeiro - Belo Horizonte (541 Km.); 2) 23/06 – Belo Horizonte – Uberaba (606 Km.); 3) 24/06 – Uberaba – Goiânia (547 Km.); 4) 26/06 – Goiânia Barretos (592 Km.); 5) 27/06 – Barretos – Poços de Caldas (512 Km.); 6) 27/06 – Poços de Caldas – São Paulo (490 Km.); 7) 28/06 – São Paulo – Rio de Janeiro (443 Km.).

Quase todos os carros na disputa eram modelos norte-americanos – Fords, Chevrolets, Willys e Hudsons – “envenenados” pelos preparadores. Pilotos estrangeiros foram convidados a participar: da Argentina, vieram de navio Oscar Galvez e Juan Manuel Fangio, trazendo suas máquinas; do Uruguai, veio Jorge Mantero. Os argentinos também trouxeram os mecânicos que disputavam as provas a seu lado, no papel de navegadores: Galvez corria com o irmão Juan; Fangio com o amigo Antonio Elizalde, um excelente memorizador de caminhos.

Embora rivais nas pistas, Galvez e Fangio eram amigos e combinaram participar da prova como uma equipe, rachando as despesas e dividindo os prêmios que ganhassem. Galvez corria com um Ford V8 – o modelo favorito da maioria dos pilotos – enquanto Fangio trouxe seu Chevrolet 1940 verde escuro, com motor 6 cilindros – o mesmo com que vencera a prova anterior. Chegaram ao Brasil com boa antecedência e, na semana antes da corrida fizeram juntos uma viagem de reconhecimento das estradas. Convidados, nenhum dos pilotos brasileiros se interessou em acompanhá-los. Fangio também visitou os representantes brasileiros da Chevrolet em busca de patrocínio, que lhe foi negado: todos tinham certeza que um Ford venceria a prova. Sem recursos, conseguiu um empréstimo, colocando o carro como garantia.

Na manhã do dia 22 de junho, 39 competidores se enfileiraram para a largada no bairro de Vigário Geral. Os carros partiram em sequência, com a ordem sorteada, em intervalos de um minuto. O que valia era a corrida contra o relógio, somando-se os tempos de cada etapa. No primeiro dia, o Ford V8 de Oscar Galvez, deixou em segundo lugar o Chevrolet de Manuel Fangio, com pequena vantagem. O uruguaio Mantero chegou em Belo Horizonte com o terceiro melhor tempo. Nove competidores ficaram pelo caminho.

Em Uberaba encerrava-se a segunda e tinha início a terceira etapa da prova. Juan Manuel Fangio completou 30 anos nessa data e ganhou "de presente" a liderança da prova.

Juan Manuel Fangio venceu a terceira etapa (Uberaba-Goiânia) da "Prova Presidente Getúlio Vargas" no dia em que completou 30 anos. Em toda sua carreira, essa foi a única vitória em provas disputadas na data do seu aniversário.

Às 8:00 do dia 23, os carros largaram da capital mineira rumo a Uberaba obedecendo a ordem da classificação do dia anterior. Depois de cruzar Araxá e o Barreiro, tomaram a estrada de Sacramento, de onde foram a Conquista e chegaram em Uberaba pelo bairro Amoroso Costa. A linha de chegada era defronte à “casa de filtros” da Codau, onde Touring Club do Brasil montara a mesa de controle e um palanque. O Automóvel Clube de Uberaba providenciou a equipe de cronometristas: Achiles Riciopo, Lélio Sartini, Heitor Matos e Heli Mesquita. Leo Derenusson, revendedor da Ford em Uberaba, participou da organização.

  "Prova Presidente Getúlio Vargas" no Triângulo Mineiro, sobre um mapa de 1928. O trajeto utilizava as estradas de terra da época, frequentemente acompanhando os caminhos de trem.
Oscar Galvez foi o primeiro a cruzar a linha, às 14:35. Dez minutos depois chegou Fangio, que havia ultrapassado Galvez no trajeto, mas perdeu a ponta poucos quilômetros antes de Araxá por conta de um pneu furado. O Ford V-8 de Mantero ficou novamente em terceiro, seguido de perto pelo brasileiro Júlio Vieira, da cidade de Ribeirão Preto. Os carros vieram em cortejo até a praça Rui Barbosa, onde foram recebidos com festa defronte a prefeitura. Os pilotos se revezaram ao microfone da rádio local PRE-5, que transmitiu o encerramento da etapa. Radio-amadores locais retransmitiram os resultados para os jornais das capitais.
                                                                                              
 Na manhã dia 28 de junho de 1941, o Chevrolet Coupé 1940 de Fangio cruza a cidade de Bananal-SP, na sétima e última etapa da "Prova Presidente Getúlio Vargas".

No dia seguinte, Manuel Fangio completava 30 anos de idade e, por coincidência, tinha o mesmo número 30 em seu carro na prova. O jornal carioca “Correio da Manhã” conta que, às 8:00 uma “incalculável multidão” acompanhou a largada dos 19 carros restantes para a terceira etapa. A estrada velha de Uberlândia dava início ao trecho mais difícil do trajeto: estradinhas cortando fazendas, cheias de pontes estreitas e mata-burros traiçoeiros. Galvez partiu em primeiro e manteve a posição ao passar pelos povoados de Palestina e Buriti. Mas logo após cruzar a ponte sobre o Rio Tijuco, perdeu o controle do seu Ford e capotou espetacularmente – felizmente maiores danos ou ferimentos. Às 9:43, Fangio surpreendeu os uberlandenses ao despontar em primeiro na cidade vizinha. Oscar Galvez só passou 15 minutos mais tarde, em quinto lugar e com o teto do carro bastante amassado.
                                                                               
De volta ao Rio de Janeiro, Juan Manuel Fangio cruza a linha de chegada da última etapa da "Prova Presidente Getúlio Vargas", no bairro de Campinho. Embora tenha concluído essa etapa em segundo lugar, Fangio ganhou a prova na somatória dos tempos.

Foto do acervo do Arquivo Nacional

     
Galvez recuperou posições e chegou em Goiânia com o segundo melhor tempo, mas seu erro acabou sendo decisivo: Fangio dominou com tranquilidade a maior parte das etapas seguintes. Os dois argentinos sofreram ainda uma punição na sexta etapa (por um erro no trajeto) e Fangio ficou atrás do amigo na etapa final. Mas sagrou-se campeão na classificação geral da prova, que completou com um tempo de 43 horas e 12 minutos, média de velocidade de 86,347 km/h. Oscar Galvez ficou em segundo e o brasileiro Júlio Vieira em terceiro. Apenas nove competidores conseguiram completar o trajeto.
               
Antonio Elizalde e Juan Manuel Fangio sentados no capô do vitorioso
 Chevrolet Coupé 6 cilindros,
 em anúncio publicado no jornal carioca "A Noite" após a vitória.

Duas semanas antes, as concessionarias Chevrolet no Rio de Janeiro haviam negado patrocínio ao piloto argentino porque davam como certa a vitória dos favoritos Ford V-8 "Flathead".
                                                                 
Impecavelmente restaurado, o Chevrolet Coupé 1940 que venceu a "Prova Presidente Getúlio Vargas" em junho de 1941 é uma das jóias em exposição no Museo Juan Manuel Fangio, na cidade de Balgarce,vizinha ao balneário de Mar del Plata. Foto: Museo Fangio
      
Além do troféu e dos 15 contos de reis pelo primeiro lugar, Juan Manuel Fangio ganhou um prêmio extra. Nos dias seguintes, ele e seu mecânico Elizalde apareceram montados no valente Chevrolet, em anúncios pagos pelos arrependidos revendedores da marca nos jornais brasileiros. O carro vitorioso, impecavelmente restaurado, está hoje exposto no "Museo Fangio", em Balcarce.


(André Borges Lopes)



segunda-feira, 25 de junho de 2018

A VASP (Viação Aérea São Paulo) foi fundada em 4 de novembro de 1933

A VASP (Viação Aérea São Paulo) foi fundada em 4 de novembro de 1933, pouco mais de um ano após a derrota dos paulistas no levante de 32, um conflito onde a falta de aviões foi um dos fatores decisivos para a derrota de São Paulo. Surgiu inicialmente como uma empresa privada, organizada por um grupo que reunia 72 empresários do estado.

Inauguração dos voos da VASP para Uberaba,
 em matéria publicada na edição de junho de 1934 da revista Fru-Fru.

Seus primeiros aviões eram dois General Aircraft Monospar ST-4/Mk.II fabricados na Inglaterra. Bimotores monoplanos de asa baixa e trem de pouso fixo, tinham um desenho bastante inovador para a época. Os motores radiais Pobjoy R, de 7 cilindros, moviam hélices bipás de passo fixo e desenvolviam 85 HP cada um. Além do piloto, os Monospar levavam até três passageiros e suas bagagens. 

Um dos aviões Monospar da VASP em manutenção nos hangares da empresa no Campo de Marte, em São Paulo, de onde partiam inicialmente os voos para Uberaba.

Os aviões da nova empresa receberam as matrículas PP-SPA (VASP 1/Bartholomeu de Gusmão) e PP-SPB (VASP 2/Edu Chaves). No dia 12 de novembro um dos Monospar decolou do aeródromo Campo de Marte, na capital paulista, com destino a Ribeirão Preto e Uberaba, e outro decolou para o Rio de Janeiro. Foram os primeiros voos da empresa. 

Anúncio do início dos voos comerciais da VASP publicado em um jornal da capital paulista no dia 16/04/1934.

No início de 1934 os aviões da Vasp fizeram mais algumas visitas experimentais a Uberaba, mas a linha aérea só foi implantada em definitivo após a empresa receber autorização federal, em 30 de março de 1934. As primeiras linhas da companhia, inauguradas em 16 de abril, eram: "São Paulo-Ribeirão Preto-Uberaba" e "São Paulo-São Carlos-São José do Rio Preto". 

João Baugartner, piloto da VASP defronte ao Monospar VASP I "Bartholomeu de Gusmão" (PP-SPA), ao lado do hangar da empresa no Campo de Marte, de onde partiam os primeiros voos para Uberaba.

As primeiras instalações do Campo de Aviação de Uberaba, em 1934, recebendo o Monospar VASP-2 "Edu Chaves" (PP-SPB).



Nas fotos anexas, além dos aviões e da elegância dos seus tripulantes, dá para perceber a precariedade das operações na cidade. Em 1933, o “Campo de Aviação de Uberaba” se resumia a uma pista de terra batida, um pequeno casebre, uma biruta e uma escadinha de madeira para os passageiros. 

(André Borges Lopes)

sábado, 3 de fevereiro de 2018

ESCOLAS, SOLDADOS E FANTASMAS

Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200 anos

Muitos lugares da cidade de Uberaba têm histórias para contar. Mas poucos tiveram uma vida tão atribulada quanto o quarteirão da praça Frei Eugênio, onde hoje funciona o Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200 anos, que começa em 1818 - quando nesse local foi erguida a capela de Santo Antônio e São Sebastião do Berava. Dois anos depois, com a criação da Paróquia, a modesta igrejinha foi transformada na primeira Matriz do arraial.

Na frente da capela, como era costume na época, passou a funcionar um pequeno cemitério local. Ali foi enterrado, em 1833, o famoso Major Eustáquio, fundador da nossa cidade. Mas em pouco tempo o terreno já não era suficiente. O vilarejo crescia e um novo cemitério foi criado atrás da capela, estendendo-se até onde hoje existe a Escola Estadual Minas Gerais. Em 1856 os dois cemitérios foram reunidos num só.

Mas nessa altura, uma igreja maior-na Praça Rui Barbosa - já assumira a posição de Matriz paroquial. Ao juntarem os cemitérios, demoliram a antiga capela. Inúmeros anônimos e famosos da história local encontraram descanso naquelas paragens na segunda metade do século XIX. Mas seu sossego foi perturbado em 1900: o novo cemitério São João Batista foi aberto longe do centro. Túmulos foram transferidos e a área desapropriada pela prefeitura.

Duas décadas depois um novo destino: a área foi cedida para que o engenheiro e deputado Fidélis Reis colocasse em prática suas ideias - avançadas para a época - sobre ensino técnico profissionalizante. Fidélis não mediu esforços para erguer no local uma escola modelo, nos moldes dos Liceus de Artes e Ofícios das maiores cidades do mundo. Conseguiu recursos dos governos, recebeu doações e obteve - de graça - um projeto do escritório do renomado arquiteto paulista Ramos de Azevedo. Em 1927 o prédio central ficou pronto, mas faltavam os galpões das oficinas, fundamentais para seu funcionamento. Para que o prédio não ficasse vazio, foi emprestado à Escola Normal de Uberaba, que passava por uma fase "sem-teto".

Para concluir a obra, Fidélis apelou até ao industrial norte-americano Henry Ford, que fez uma polpuda doação. Em troca, seu nome batizou um dos dois pavilhões - o das oficinas de metalurgia. Do outro lado, no pavilhão "João Pinheiro" seriam ensinados os ofícios das madeiras. Com as obras concluídas em 1929, faltava colocar o Liceu em funcionamento, mas nuvens surgiram no horizonte.

Quebra da Bolsa em 1929, Revolução de 1930 e a Revolta Constitucionalista de 32 interromperam o destino da escola. Num tempo em que soldados eram mais valorizados que professores e artesãos, o prédio foi cedido para alojar o 4º Batalhão de Caçadores da Força Pública Mineira. A escola teve que esperar por 15 anos: só em 1947, quando ficou pronto o novo quartel do 4º BP, os militares deixaram o prédio.

Muita água havia rolado na ditadura de Getúlio Vargas, e o ensino técnico fabril tinha agora o nome de SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, entidade controlada pelos sindicatos patronais. Restou ao antigo Liceu ceder o prédio ao governo, que o repassou ao SENAI. Em maio de 1948, o presidente Dutra aproveitou a vinda para a Exposição de Zebu e inaugurou a escola, que desde então formou alguns milhares de operários e técnicos.

Mas o destino reservaria ainda algumas surpresas. Fidélis morreu em 1962, e a escola ganhou seu nome, em justa homenagem. Em meados dos anos 70, o belo pavilhão João Pinheiro foi demolido para dar lugar a um novo prédio sem muito charme, onde atualmente funciona o "Centro de Formação Profissional Fidélis Reis". Em 1977 os prédios históricos foram cedidos ao SESI Minas e passaram por um longo período de abandono.

Foi somente em 2006 que a velha escola, restaurada e reformada, voltou ao antigo brilho, agora como Centro Cultural. Dentro do pavilhão Henry Ford, foi construído o mais moderno teatro de Uberaba. Mas reza a lenda que, nas madrugadas escuras, fantasmas ancestrais do antigo cemitério ainda passeiam pelas suas coxias.


André Borges Lopes é jornalista, especializado em produção gráfica, uberabense e historiador nas horas vagas.                            

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Asas para a Juventude Uberabense.

Baile no Jockey, publicada na revista "O Cruzeiro"   

1941. Com a Europa já em plena II Guerra, começa no Brasil a Campanha Nacional de Aviação com o objetivo de estimular a formação de novos pilotos em todo o País. Parte importante desse esforço passava pela fundação de aeroclubes nas cidades do interior, uma iniciativa que foi apadrinhada pelo presidente dos Diários Associados, Assis Chateaubriand – o famoso "Chatô", um dos homens mais poderosos do Brasil na época – e recebeu os slogans marqueteiros "Dê Asas para o Brasil" e "Dê Asas para a Juventude".

                          Baile no Jockey, publicada na revista "O Cruzeiro"                          

Uberaba não ficou de fora nessa iniciativa. No dia 25 de maio, o Aeroclube da cidade ganhou um avião de treinamento, doado pelo industrial Severino Pereira. Os jornais da época não informam o modelo mas, pelas fotos, parece ser um Piper J3 Cub (um pequeno monoplano de asa alta norte-americano, com motor de 65 HP) ou sua cópia nacional, o CNNA HL-1, montado no Rio de Janeiro. O avião recebeu o nome "Pandiá Calógeras" em homenagem ao geólogo e engenheiro carioca que começou sua carreira profissional em Uberaba e foi o único civil a ocupar o Ministério da Guerra na República Velha.

   Notícias dos preparativos para a recepção, publicada no jornal uberabense "O Triângulo”  
       
A entrega do avião em Uberaba deu ensejo a uma enorme festa aérea: o ministro da Aeronáutica Salgado Filho veio pessoalmente até cidade liderando uma esquadrilha com dezenas de aeronaves civis e militares. Chatô e Dario de Almeida Magalhães, diretores dos Diários Associados, acompanharam a comitiva. A famosa aviadora Ada Rogato exibiu-se saltando de paraquedas e outros pilotos revezaram-se em exibições de acrobacias aéreas. Ao final, o grupo foi recebido para um jantar no restaurante do Grande Hotel seguido por um baile de gala no Jockey Club e por uma festa dançante no Cassino da Exposição.


"Pandiá Calógeras"
Avião HL-1, fabricado no Rio de Janeiro pela fábrica CNNA, do industrial Henrique Lage. É uma cópia do avião norte-americano Piper J-3 Cub. Muito provavelmente, o "Pandiá Calógeras" era um avião como esse.


O bapthismo "Pandiá Calógeras"em Uberaba.

Nos dias seguintes, como de costume, os vários jornais do grupo Diários Associados e a revista semanal "O Cruzeiro" deram grande destaque ao evento. O método usual de Chatô de ganhar ainda mais poder político e conseguir patrocinadores.


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Um detalhe curioso: em diversas publicações consta que o Aeroclube de Uberaba teria sido fundado só em 1942, um ano depois do recebimento desse avião.

 (André Borges Lopes).


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Cidade de Uberaba


domingo, 2 de julho de 2017

MODERNIDADE E ELEGÂNCIA NA GALERIA COMERCIAL MAIS CHARMOSA DE UBERABA

Galeria Rio Negro
Galeria comercial mais charmosa vista da Av. Leopoldino de Oliveira,"Buraco da Onça" edifício Rio Negro, final dos anos 60 e início dos anos 70.

Foto restaurada por André Borges Lopes

(Foto cedida pela família do Dr. José de Souza Prata do arquivo pessoal)      

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Magnabosco & Cia

                                                   Magnabosco & Cia

Magnabosco & Cia, posto de serviços e revenda de carros da Chevrolet, no seu antigo prédio da Av. Leopoldino de Oliveira com Rua Segismundo Mendes, em maio de 1948. Mais tarde, funcionou no mesmo lugar a Marzola Veículos, outra concessionária da marca.

Nos anos 1990, o prédio foi demolido para a construção de uma agência do banco Itau. Foto da revista Noite Ilustrada.


(André Borges Lopes) 

quarta-feira, 5 de abril de 2017

PONTE CIA. MOGIANA


A velha ponte da Cia Mogiana -  ligando Delta a Igarapava,


A velha ponte da Cia Mogiana sobre o Rio Grande, ligando Delta a Igarapava, ainda em construção, na primeira metade dos anos 1910. Antes da abertura da variante de Igarapava da Mogiana, em 1915, os trens só chegavam a Uberaba pela ferrovia que vinha de Franca, por Jaguara, Conquista e Peirópolis, inaugurada em 1889. Os trens de ferro dividiram a ponte metálica com a rodovia até 1979: eu me lembro das cancelas que fechavam o tráfego de veículos para esperar o trem passar, e também da diversão infantil que era ficar lá no Country Clube esperando para ver ao longe a travessia dos trens. Em 79 foi aberta uma ferrovia nova, que cruza o rio ao lado do DI-3, e os trens sumiram para sempre. Carros, ônibus e caminhões continuaram passando pela velha ponte por mais duas décadas. Em maio de 2001 foi finalmente inaugurada a ponte dupla da Anhanguera/BR-050 e a velha ponte de metal entrou nessa semi-aposentadoria em que se encontra hoje, Há três curiosidades sobre essa ponte: 1) Ela tem quatro vãos maiores e um menor, o último do lado de Igarapava. Reza a lenda que esse vão menor não pode ser completado na época da inauguração porque a estrutura de aço viria da Alemanha (ou da Inglaterra, segundo outras fontes) e a entrega foi cancelada em virtude do início da 1ª Guerra Mundial. Na época, teria sido construído um vão improvisado em madeira, que foi anos mais tarde substituído por esse metálico que até hoje está lá, mas que tem uma estrutura ligeiramente diferente dos demais – o que é um fato. Nessa foto histórica, não se vê o quinto vão sendo erguido. 2) A ponte teria sido palco de violentos confrontos armados entre mineiros e paulistas em 1930 e 1932. A lenda – que ouvíamos no tempo de menino – dizia que ainda podiam ser vistas várias perfurações de bala na estrutura. Na época, nunca me deixaram ir lá comprovar: a ponte é estreita e nunca teve passagem para pedestres. Caminhar por ela era terrivelmente arriscado no tempo em que todo o tráfego da BR passava por ali. Recentemente, atravessei a ponte a pé, mas não encontrei as perfurações. E tenho sérias dúvidas se os tiros daqueles velhos fuzis usados na década de 30 teriam capacidade de furar as grossas chapas de aço da sua estrutura. 3) Nos início dos anos 1980, alguns paulistas metidos a besta que estudavam em Uberaba faziam uma provocação com os mineiros, chamando a ponte de “túnel do tempo”. O que era apenas um claro sinal de que eles não conheciam a “progressista” Igarapava. De qualquer modo, a bela “ponte do Delta” é parte da história da nossa cidade, e é uma pena que esteja em estado de semi-abandono. Como muitos caminhões e carretas pesadas desviam da BR por ela (talvez para fugir das balanças e da fiscalização na divisa) temo que em breve ela acabe cedendo ou desabando, o que seria uma pena. Torço para que, antes que isso ocorra, alguém tenha coragem de propor alguma manutenção preventiva. Ou para, pelo menos, proibir o tráfego de caminhões sobre ela. Uma coragem que – que se vê nessa foto – não faltava a seus valentes construtores.



Texto: André Borges Lopes