domingo, 30 de dezembro de 2018

CAPINÓPOLIS: UM MONSTRO E SEUS MISTÉRIOS (II)

Há duas semanas, contei a história do “monstro de Capinópolis que assombrou o Triângulo Mineiro nos primeiros meses de 1972. Depois de um cerco policial que durou semanas e eletrizou a população do país – o caso chegou a ser relatado no Jornal Nacional e nas páginas de revista Veja – a polícia prendeu Orlando Sabino Camargo, um andarilho negro e franzino de 25 anos de idade com problemas mentais evidentes, que teria confessado a autoria de alguns dos crimes.

No final das contas, Orlando foi responsabilizado por um total de 25 assassinatos, sendo 13 em Minas Gerais e 12 em Goiás, além da morte de 19 bezerros. A maioria dos homicídios aconteceu na zona rural, sem presença de testemunhas, e nunca foi apresentada uma lista formal, com os nomes de todas as vítimas e as circunstâncias de cada morte. Examinado por uma junta médica, Orlando foi diagnosticado com oligofrenia e considerado inimputável. Acabou condenado pela Justiça a internação compulsória por tempo indeterminado em um manicômio judiciário na cidade de Barbacena, onde ficou detido por mais de 38 anos, até ser transferido para um lar de idosos, onde faleceu em 2013.

A prisão do “Monstro” colocou um fim nas mortes misteriosas no vale do Rio Paranaíba e deu resposta às cobranças da população. Mas muita gente não ficou convencida de que Orlando teria sido o responsável por todos os crimes. Interrogado pela polícia e por jornalistas, o suposto “assassino serial” limitava-se a confirmar a autoria das mortes com monossílabos e frases simples. Perguntado sobre sua motivação, dizia que “matava para comer”. Além disso, sua compleição física estava distante das fantasias criadas pela imprensa nos dias em que a região viveu a caçada humana: uma fera assustadora, com força e velocidade assombrosas, além de poderes fantásticos de dissimulação.
A morte dos bezerros e alguns dos homicídios se encaixam na narrativa de crimes praticados por alguém mentalmente perturbado. Mas houve casos de pessoas abatidas a tiros, em circunstâncias mal esclarecidas. Em ao menos um dos assassinatos, o do fazendeiro Oprínio do Nascimento, foi possível identificar o projétil responsável pela morte: uma bala .44, de uso exclusivo das forças de segurança, incompatível com a espingarda enferrujada que a polícia alegou ter apreendido com Orlando. Havia na sequência dos crimes a ele atribuídos alguns acontecidos com pouca diferença de tempo em lugares distantes, algo impossível para alguém que andava a pé vagando pelos campos, evitando estradas e já procurado pela polícia.

O Brasil vivia o período mais duro da ditadura de 1964, com a imprensa sob censura prévia, e ninguém ousava questionar versões oficiais. Mas um dos motivos da desconfiança era o tamanho do aparato mobilizado para capturar um criminoso tão singelo. O então governador mineiro Rondon Pacheco, natural de Uberlândia, envolveu-se diretamente na coordenação da buscas. No auge da perseguição, alguns relatos falam da participação de mais de mil agentes, entre soldados da Polícia Militar e investigadores da Civil, contando com o apoio do Exército, de aviões, helicópteros, cães rastreadores e de algumas dezenas de voluntários.

No final dos anos 1970, com a abertura política, alguns jornalistas começaram a questionar a história oficial. Em 1979, o uberabense Joaquim Borges divulgou a versão de que a perseguição a Orlando Sabino teria sido uma cortina de fumaça para encobrir as buscas por guerrilheiros de esquerda que estariam se escondendo na região do Pontal do Triângulo. Em 2011, Pedro Popó lançou o livro-reportagem “Monstro de Capinópolis” onde joga luz sobre a fragilidade das acusações. Em 2014, o jornalismo da rede de televisão SBT produziu uma reportagem sobre o caso, que pode ser encontrada no YouTube.

Orlando Sabino “ Monstro de Capinópolis”

Publicado em 2016 pela Editora da Universidade Federal de Uberlândia, o segundo tomo do “Relatório da Comissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba” traz os resultados das investigações sobre o assunto, sem que tenham sido encontradas respostas definitivas. Alguns pesquisadores consideram que a sequência de assassinatos possa ter servido para ocultar ajustes de contas pessoais e crimes por outras motivações, que ao final foram atribuídos a Orlando Sabino – deixando os verdadeiros autores impunes.

A tese da perseguição a guerrilheiros nunca foi devidamente comprovada. Mas há ao menos um indício bastante curioso. No meio da caçada ao “Monstro de Capinópolis”, as autoridades relataram à imprensa a prisão de um cidadão paraguaio de nome Gerardo Martinez Herrera, que despertou suspeitas ao procurar trabalho numa fazenda da região. Investigado, descobriu-se que o homem teria curso superior e havia sido militar no país vizinho. Tão rápido como surgiu, o tal Herrera desapareceu dos noticiários. Até hoje, a sua prisão é um mistério absoluto.


André Borges Lopes








Cidade de Uberaba