domingo, 30 de dezembro de 2018

OS MENINOS DE SAIOTE DO IÊ-IÊ-IÊ

No ano de 1968 – aquele “que não terminou” no livro do jornalista Zuenir Ventura – a ditadura militar fechava cada vez mais os espaços de manifestação política. Mas por outro lado, a cultura brasileira vivia um dos seus grandes momentos. A cena musical se agitava com a disputa entre os jovens irreverentes da Jovem Guarda e os engajados da MPB, que dividiam corações e mentes nos grandes festivais. No cinema, Roberto Carlos em ritmo de aventura alternava as salas com o francês A Bela da Tarde, estreado por Catherine Deneuve.

Uma das principais palcos da capital carioca era o Canecão, misto de restaurante e casa de shows no bairro de Botafogo. Em março de 1968, a sensação da casa era um show que misturava bandas de rock & roll com malabaristas e dançarinas. Uma das bandas fazia furor, com rapazes tocando de saia uma música de alta qualidade. O nome dessa banda era Mugstones, e sua origem a pacata cidade mineira de Uberaba.

A roupa não era exatamente uma saia, mas sim um “kilt”, saiote escocês em pano xadrez vermelho. Os sete jovens eram José Raul Parada (saxofone), Luiz Humberto “Luizinho” Silveira (guitarra), Luiz “Luizão” Motta (baixo), Laerte de Oliveira (piston), Eurípedes “Pardal” de Oliveira (bateria), Braz “Bazzani” Lamboglia Júnior (guitarra), Márcio Antônio Vieira “Marc Antonov” (guitarra). Todos então na faixa dos vinte e poucos anos, colegas de infância e adolescência vivida no Triângulo Mineiro,

O conjunto surgira como as bandas de garagem dos anos 1960: um grupo de amigos com talento que se reunia para tocar os sucessos da época: o rock & roll e músicas da Jovem Guarda que bombava nas rádios e nas TVs. Conhecido como “Os Poligonais”, se apresentava nas praças da cidade e no clube da Associação Comercial. Chegaram a gravar um primeiro disco compacto. Em pouco tempo, ficou claro que Uberaba era pequena para o talento da banda. No comecinho de 1967, fizeram um grande show de despedida na praça Rui Barbosa e se mandaram para São Paulo.

As emissoras de televisão das capitais brigavam pela audiência entre os jovens com programas musicais de auditório. Na capital paulista, os Poligonais encantaram o produtor musical Glauco Ferreira que gostou do embalo do grupo, mas achou o visual pouco arrojado. O nome também tinha problemas: era usado por um outro conjunto de bossa nova.

Foi quando surgiu o “Mugstones”. No ano anterior, um boneco de pano vestido de saiote escocês, tornou-se uma febre ao ser adotado como mascote por celebridades como Wilson Simonal e Chico Buarque. O simpático “MUG” e um alfaiate talentoso deram origem ao uniforme do grupo. Em fevereiro de 1967, já com os saiotes e o novo nome, a banda estreou no Rio de Janeiro em grande estilo: fizeram um dos shows de abertura do cantor francês Johnny Halliday no ginásio do Maracanãzinho, ao lado de astros nacionais como o cantor Ronnie Von

A ousadia de um bando de marmanjos usando saias deu ao grupo destaque na mídia. Em abril, participaram do programa humorístico “Riso 40 graus” da TV Tupi. A qualidade musical e o repertório – do samba ao iê-iê-iê, com algumas pitadas de jazz – animou a gravadora Polydor a incluí-los no elenco. Em maio, chegou às lojas um compacto simples da banda, com duas músicas: A grande parada e Sozinho eu seguirei. Meses depois, foram incluídos num LP da coleção “Os novos reis do Yê Yê Yê”. O sucesso dos discos convenceu dono da boate “Candelabre” de Copacabana a contratar os moços para uma temporada.

No final de 1967 foi lançado o primeiro LP dos Mugstones, com uma foto da banda na capa. Segundo o livro Jovem Guarda em ritmo de aventura, o disco destacava-se pela originalidade: trazia covers de sucessos e de músicas originais do grupo, além arranjos muito bonitos para canções como Upa negrinho (de Edu Lobo e Guarnieri) e o clássico O sole mio. No ano seguinte, estrelas do espetáculo no Canecão, apareceram em reportagens em jornais e revistas. Viajaram pelo Brasil apresentando-se em Salvador, Recife, Belém do Pará e Porto Alegre. Morando no Rio, os jovens compraram uma grande caminhonete, que os transportava para shows na cidades do interior – uma das poucas bandas nacionais a contar com esse recurso.

Em 1969, em paralelo aos shows, o grupo fez uma participação o especial num dos episódios do filme “Como vai, vai bem?” do cineasta Alberto Salvá, contracenando com os atores Flavio Migliacio e Paulo José. Pouco tempo depois, com o fim da febre do Iê-Iê-Iê , o grupo se separou e cada um foi para o seu lado. Pardal e Luizinho continuaram ligados à música: o primeiro faleceu em Uberaba em 2015. Luizinho vive em Goiânia, mas às vezes aparece na nossa cidade com seu acordeon.

(André Borges Lopes)




Cidade de Uberaba