domingo, 28 de abril de 2019

O RUMOROSO CASO DE UM MÉDICO


Há quase um século, no dia 6 de junho de 1919, a cidade de Uberaba aparecia em alguns jornais do Rio de Janeiro – entre eles o prestigioso diário “A Noite” – trazendo uma notícia escabrosa: “Um médico conhecido maltrata horrivelmente uma mulher”. Segundo as publicações, um respeitado médico da cidade mineira havia cometido barbaridades contra uma mulher, com a qual teria uma relação não oficial: uma “amásia” no jargão da época. Dizia o texto que o médico “levou a amásia para o campo onde, depois de mandar espancá-la pelo seu camarada, lhe cortou os cabelos jogando-lhe piche sobre a cabeça. Abandonou-a em seguida. A vítima arrastou-se desse lugar ermo até a cidade, em mísero estado, apresentando-se às autoridades policiais, que lavraram auto de corpo de delito”.

A terrível acusação recaia sobre um cidadão respeitável e famoso: Dr. João Teixeira Álvares, natural de Goiás, formado em medicina no Rio de Janeiro em 1885 e, na época do escândalo, já por volta dos seus 60 anos de idade. Dr. João Teixeira tinha um histórico de trabalho em pediatria e puericultura na capital federal, e clinicava em Uberaba desde o final do século XIX. Em 1905, aproveitando-se da inauguração da luz elétrica na cidade, havia aberto uma avançada clínica de “Hidroterapia, Eletricidade e Massagem”. Um depoimento seu era usado para ilustrar em jornais do país anúncios publicitários do remédio “Fluxosedatina”, produzido por uma farmácia carioca, empregado no tratamento de problemas menstruais. Segundo o Almanack Laemert, residia em um palacete na rua Artur Machado nº 47 e possuía a Casa de Saúde Nossa Senhora de Lourdes, na rua João Pinheiro.

Mas o Dr. Teixeira não era apenas médico, também era escritor e jornalista. Editava, desde o início da década de 1910, a revista católica “Jesus Cristo”. Por volta de 1911, montara um jornal de nome “Aiglon” junto com Antônio Batalha. Dois anos depois, lançou uma revista semanal em grande formato – a “Brasil Central” – feita em parceria com o jornalista Moyses Santana e o monsenhor Inácio Xavier da Silva. Também escrevera livros: a tragédia “Eleusa” e o romance histórico “Montezuma”, além de dramas bíblicos e trabalhos científicos na área de medicina. Ostentando esses predicados, em janeiro de 1914, Dr. João Teixeira arriscou sem sucesso uma candidatura à Academia Brasileira de Letras – escrevendo pessoalmente uma carta aos demais imortais, onde sugeria seu próprio nome para uma vaga recém aberta.

Outra área onde o médico se destacava era a religião. Católico fervoroso e admirador de Nossa Senhora de Lourdes, tinha em seu palacete uberabense uma capela dedicada à sua santa de devoção. Proferia também palestras sobre os milagrosos poderes curativos das águas de Lourdes e era figura conhecida nos congressos eucarísticos. Em 1915, foi fundador e passou a presidir o Círculo Católico Uberabense. Montou em seu casarão um cinema particular, no qual exibia para os jovens películas sacras, como forma de livrá-los do vício e das influências perniciosas do cinema comercial.

No terreno da religião, comprou brigas com os kardecistas, acusando os médiuns de serem portadores de severos transtornos mentais, postulação que contava com o apoio do famoso psiquiatra paulista Dr. Franco da Rocha. Investiu também contra os protestantes e não poupou sequer os irmãos dominicanos franceses de Uberaba, a quem acusava de indisciplina e de ter uma influência perniciosa nos destinos da cidade. Nessa briga, teve ao seu lado o primeiro bispo uberabense, Dom Eduardo Duarte e Silva.

Não era o a primeira polêmica envolvendo o médico mas, com tanto renome, títulos, amigos influentes e aliados poderosos, não surpreende que a acusação da amásia agredida – de quem não sabemos sequer o nome – tenha sumido sem maiores repercussões ou consequências legais, além do escândalo momentâneo. Não encontramos uma única notícia de decorrências do fato na imprensa local ou em jornais de fora. Não há sinal de que o rumoroso caso tenha gerado um processo ou ido a julgamento. Dr. João Teixeira seguiu inabalável em sua carreira de sucesso e manteve-se na presidência do Círculo Católico de Uberaba. Na década de 1930, foi fundador e e presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba. 

A “amásia agredida” e suas terríveis acusações – verdadeiras ou falsas – sumiu na poeira do tempo, como era usual ocorrer naqueles tempos com mulheres que ousavam afrontar homens poderosos acima de qualquer suspeita.


(André Borges Lopes)


Cidade de Uberaba