domingo, 16 de fevereiro de 2020

AS MUITAS MORTES DO CAPITÃO SILIMBANI

Corria o ano de 1908 e as novidades sobre os voos de Santos Dumont em Paris com seus aparelhos “mais pesados que o ar” chegavam a Uberaba por jornais e revistas, atiçando a imaginação das pessoas. Os primeiros aviões eram um sonho distante, mas a possibilidade de ver um homem voando estava cada vez mais perto: circulava a notícia de que em breve chegaria na “Princesinha do Sertão” o arrojado aeronauta Jose Silimbani – capitão do Real Corpo de Aeróstatos da Itália – que, desde o ano anterior, assombrava os brasileiros com suas exibições aéreas com o balão de ar quente “Colosso”.

Desenho e dados técnicos de um balão de ar quente do tipo Montgolfier, do século XVII.

Não existem fotos do balão de ar "Colosso "do Capitão Silimbani. Mas não devia ser muito
diferente desse que aparece sendo inflado em um Circo Aéreo no estado do Nebraska, EUA, em 1910.


Outra imagem de uma apresentação de balão de ar quente nos EUA no início do século XX.

O balão de Giuseppe Silimbani não tinha cesto de passageiros.
 Em vez disso, havia um par de trapézios pendurados, nos quais ele fazia acrobacias nas alturas. Um tipo de show comum nessa época.

Giuseppe Silimbani e sua primeira esposa Antonietta Cimolini. O casal de italianos compartilhava o gosto pela música e por esportes radicais. Em 1902, mudaram-se para Buenos Aires, na Argentina.

Na Argentina, Giuseppe tornou-se o Capitão Jose Silimbani. O casal apresentava-se em acrobacias aéreas, com o patrocínio de uma fábrica de cigarros. Em março de 1904, um acidente tirou a vida de Antonietta, mas os jornais brasileiros "mataram" o capitão.


Em 1907, Jose Silimbani veio ao Brasil fazer uma temporada de exibições. Após apresentar-se na capital paulista, tomou o trem da Mogiana e evenredou pelo interior até chegar em Uberaba.

A primeira versão do assassinato, divulgada pela imprensa de Uberaba, foi reproduzida em diversos jornais no Brasil e no exterior. A investigação policial mostrou que a história real era bem diferente.


Balões de ar quente não eram uma novidade. Reza a lenda que o Padre Bartolomeu de Gusmão, um brasileiro da cidade de Santos, teria colocado alguns para voar Lisboa no início do século XVIII. Algumas décadas mais tarde, em 1783, os irmãos franceses Joseph e Étienne Montgolfier criaram um modelo prático e popularizaram seu uso. Por volta de 1900, eram comuns as exibições de voos desses aeróstatos por artistas e aventureiros em todo o mundo.

Depois de apresentar-se com sucesso nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e Franca, o capitão finalmente chegou a Uberaba de trem. Desembarcou seus equipamentos, hospedou-se no elegante Hotel do Comércio da Rua Vigário Silva e anunciou o local escolhido para sua apresentação: o Largo das Mercês, atual Praça Dom Eduardo. Ingressos para o evento foram vendidos a 8 mil reis para adultos, 1 mil réis para crianças. Às duas da tarde do dia 3 de maio, um domingo, Silimbani inflou seu balão e ganhou os céus. Dezenas de metros acima do solo, pendurou-se em um trapézio e exibiu-se em um show de arriscadas acrobacias. De volta ao solo, foi recebido em triunfo pela multidão, embora alguns tenham reclamado da pequena duração do show.

O balonista havia sido contratado pela companhia teatral de Manuel Balesteros para fazer duas apresentações na cidade. A segunda ascensão seria no domingo seguinte, dia 10. Mas no sábado à noite aconteceu o impensável: o destemido capitão, gravemente ferido por um tiro de garrucha que lhe atingira o baço, agonizava em seu quarto de hotel. Nos dias seguintes, jornais de todo o Brasil anunciaram a morte do aeronauta em Uberaba, assassinado após uma briga.

Silimbani tinha 34 anos de idade, e não era a primeira vez em que perdia a vida, ao menos na imprensa brasileira. Em março de 1904, vários jornais de São Paulo e do Rio anunciaram sua morte ao despencar nas águas do Rio da Prata durante uma apresentação em Buenos Aires. O acidente causou grande comoção porque o corpo desapareceu e demorou a ser encontrado, mas não fora ele quem morrera. A vítima era sua jovem esposa, a também italiana Antonietta, parceira nas exibições aéreas. O casal tinha um filha, na época com cinco anos de idade.

Giuseppe Silimbani nasceu na cidade de Forli, na Emília Romana e começou a vida como padeiro. Tenor aficionado e esportista em diversas modalidades, logo interessou-se pelo balonismo. Em 1898, casou-se com Antonia Cimolini, natural da Ravena, com quem compartilhava o gosto pela música e pelo esporte. A dupla começou a apresentar-se pela Itália mas, em 1902, decidiu vir para a Argentina – onde Giuseppe tornou-se “Jose” e inventou o fantasioso título de “capitão”. No ano seguinte, os dois já eram razoavelmente famosos: com o patrocínio de um fabricante de cigarros, exibiam-se em diversas cidades. São considerados precursores da aeronáutica no país vizinho.

Com a morte da esposa e parceira, Silimbani seguiu apresentando-se sozinho. No final de 1907, já casado novamente, deixou a família em Buenos Aires e arriscou-se em uma temporada de shows aéreos pelo Brasil. Fez diversas exibições em Santos e São Paulo, onde apresentava-se no Parque Antárctica e logo tornou-se um ídolo da comunidade italiana, que o tratava como "o homem mais corajoso do mundo". No final de janeiro de 1908, deu início a uma sequência de shows pelo interior, seguindo os trilhos da Companhia Mogiana até chegar em Uberaba.

A última morte do Capitão Silimbani aconteceu na imprensa. Seus assassinos espalharam a notícia de que, no início da tarde do sábado, o italiano havia ofendido e importunado diversas mulheres da cidade. Por fim, invadira a casa e tentara violentar a esposa do seleiro Joaquim da Cunha que, vindo em seu socorro, lutou com o agressor e acabou lhe dando o tiro fatal. Essa versão foi reproduzida em diversos jornais brasileiros.

A investigação mostrou que os fatos não correram bem assim. Ouvidas pelo delegado, nenhuma das outras mulheres confirmou as tentativas de assédio. O inquérito apurou que Joaquim e Marina, chegados há poucos meses da cidade mineira de Guaranésia, moravam nos fundos da ferraria do Sr. Antonio Felix, no Largo das Mercês, onde o balonista montava seus equipamentos. Na ausência do marido, que saíra para fazer um serviço nas imediações, o italiano teria dirigido alguns galanteios e propostas a Marina – que não tiveram boa acolhida. Alertado do fato por vizinhos, o seleiro voltou ao local armado com uma garrucha.

Silimbani anda tentou refugiar-se na ferraria, onde foi espancado pelo proprietário e por um outro funcionário, que era primo de Marina. Já bastante machucado, acabou expulso para a rua, onde Joaquim disparou o tiro, evadindo-se em seguida. Apesar de socorrido no prédio do Ginásio Diocesano, os médicos lhe deram poucas esperanças. Levado ao hotel, morreu no início da noite e foi enterrado em Uberaba no dia seguinte. O delegado pediu o indiciamento dos três pelo assassinato, mas não encontramos notícias do resultado do processo. Apesar de protestos isolados da comunidade italiana, muitos jornais não se preocuparam em desmentir a primeira versão.

(André Borges Lopes – Uma primeira versão desse artigo foi publicada na coluna Binóculo Reverso em 02/02/2020. Um agradecimento especial ao João Araújo, do Arquivo Público de Uberaba, que ajudou a recuperar essa história)