quarta-feira, 17 de abril de 2019

Zebus de Sombrero

Vem chegando a Exposição e, com ela, os visitantes do exterior. Dentro de alguns dias, os “gringos” já estarão pela nossa cidade. Nas últimas décadas, o gado Zebu de Uberaba tornou-se famoso por todo o mundo, seja pela qualidade da sua genética, seja pela excelência do controle sanitário. Se a gente pouco vê boiada embarcando em avião rumo ao estrangeiro, não é porque nosso Zebu não emigre. Mas porque novas tecnologias dispensam os animais do incômodo transporte: no lugar vão botijões de sêmen e embriões congelados, levando o DNA do zebu triangulino para povoar pastos de outras terras.

De início, as coisas não eram tão fáceis. Sempre que a situação econômica apertava no Brasil, os criadores de Zebu fino tentavam recorrer à exportação de touros e matrizes para não ficar no prejuízo. E um dos locais mais sonhados era o México. Em parte porque o país asteca tem uma grande tradição em pecuária e condições ambientais semelhantes às que há no Brasil. Em parte porque sua enorme fronteira com os Estados Unidos sempre serviu de passagem para gado contrabandeado ao país vizinho – driblando a rígida vigilância sanitária dos EUA.

A primeira vez que uberabenses tentaram vender gado na América do Norte as coisas não correram nada bem. Era o ano de 1922 e os pecuaristas brasileiros estavam desesperados pela crise dos negócios no País – fruto do final da 1ª Guerra na Europa e de uma epidemia de peste bovina que obrigou o governo a proibir o tráfego de gado. Dois grupos de zebuzeiros (um de Uberaba outro do Rio de Janeiro) colocaram centenas de cabeças de zebu em navios e foram tentar vendê-los no sul dos EUA, onde os criadores estavam começando a formar os rebanhos de zebus Brahman. Foram impedidos pelas autoridades de desembarcar em Saint Louis, no Missouri, e desviaram o rumo a Vera Cruz, no México. Tiveram o azar de chegar bem no meio de uma guerra civil entre o presidente Álvaro Obregon e o caudilho Adolfo de la Huerta. Boa parte das reses finas foi confiscada pelas tropas em conflito para servir de churrasco. Só algumas poucas, talvez 20 ou 30, conseguiram entrar nos EUA pela fronteira. Os prejuízos para os uberabenses foram monumentais.

Em 1945 houve uma nova crise da pecuária no Brasil e uma nova oportunidade de exportação. No México havia interessados em comprar gado indiano para melhoramento da pecuária, entre eles o poderoso ex-presidente Lázaro Cárdenas. Mas a Secretaria de Agricultura do México impunha feroz resistência a esse negócio, alegando o risco de que o gado trouxesse ao país o vírus da febre aftosa. Contava com apoio dos EUA – na época o maior comprador de gado mexicano e interessado em vender aos vizinhos seus reprodutores Brahman. 

Em Uberaba, alguns grandes criadores de Zebu montaram a “Sociedade Exportadora Brasil-América” para cuidar dessa transação. Por fim, com o apoio de Cárdenas, os uberabenses ganharam a queda-de-braço. Mas, para cumprir as exigências sanitárias, o rebanho foi levado para a Ilha do Sacrifício, no Caribe, onde ficou estabulado em longa quarentena, durante a qual foram submetidos a rigorosos testes por veterinários e zootecnistas. Finalmente, o rebanho – já todo vendido – foi considerado sadio e liberado para ir para as fazendas.

Poucas semanas depois explodiu a bomba: em abril de 1946, apareceram no México alguns casos isolados de aftosa, dando início a uma epidemia que se espalhou rapidamente. Imediatamente, os EUA suspenderam as importações de gado – jogando a pecuária mexicana em uma longa e profunda crise. Pesadas acusações foram lançadas sobre os zebus brasileiros e os defensores da importação, inclusive Cárdenas, politizando a discussão. 

Nunca chegou a ser comprovado que os zebus uberabenses tenham sido os responsáveis pela essa epidemia. Mas o estrago estava feito. O combate à febre aftosa no México levou quase uma década para ser concluído e causou prejuízos incalculáveis à economia do país. Houve até algumas dezenas de mortes de fiscais sanitários, camponeses e soldados em revoltas de pequenos criadores que não se conformavam com o abate obrigatório dos seus rebanhos sob suspeita. O trauma demorou a ser superado e, por 50 anos, nenhum zebu brasileiro pode entrar no México. Somente em 1997 um acordo sanitário reabriu as negociações.

Esse e muitos outros causos, estão no livro “ABCZ 100 anos: história e histórias”, que será lançado na próxima Expozebu.


(André Borges Lopes)


Cidade de Uberaba