sábado, 21 de julho de 2018

Obras-Primas do Cinema Europeu


L’AGE D’OR

Choque de Imagens

Guido Bilharinho

Obras-Primas do Cinema Europeu

         Luís Buñuel (1900-1983) inicia sua carreira cinematográfica realizando, de plano, dois filmes básicos do cinema, ambos de vanguarda, ambos surrealistas, além de excelentes.

         A Idade do Ouro (L’Age d’Or, França, 1930) revela diretor forrado de ampla cultura humanística e artística e com perfeito domínio da linguagem cinematográfica.

         Tais atributos, à evidência, não são congênitos, mas, adquiridos com estudo, esforço e observação. Música, artes plásticas e imagens ligam-se na composição de obra cinematográfica elaborada com rigor, liberdade, ousadia e criatividade.

         Ao espetáculo opõe-se a arte; ao convencional, o insólito; ao compreensível, a alusão; ao contextual, o fragmentário; ao previsível, a surpresa; à restrição, a liberdade; ao explícito, o subtendido.

         A beleza das imagens e a perfeição pictórica dos enquadramentos respaldam temática trabalhada ao nível do significante (forma) e não apenas do significado (conceito). Este restringe-se a sentido único, atribuído e  perfilhado pelo autor, enquanto aquele permite várias leituras e direções. Se este não passa de revólver de um tiro só, aquele é verdadeira metralhadora giratória, espalhando petardos para todos os lados, excetuado, compreensivelmente, o do atirador. Buñuel é alusivo e não explicativo, fazendo com que o choque das imagens - mais do que sua simples sucessão - ao invés de desencadear fatos e acontecimentos, revele o imponderável das coisas tornadas ininteligíveis à mera abordagem convencional.

         Se não há liame perceptível entre a circunstância de uma vaca estar sobre uma cama e a face da personagem enamorada apresentar-se coberta de sangue e nem ao menos dê-se explicação para tais ocorrências, a questão é que esses  e outros fatos dimensionam a liberdade, quebrando drasticamente os limites estabelecidos  pela realidade da matéria, compondo um mundo surreal, indefinível e incontrolável como os sonhos.

         Esse inconformismo explícito contra restrições, impossibilidades e incapacidade física do indivíduo para atender a anseios e volições corresponde à liberdade imaginativa, intelectual e artística.

         Se há balizas - e estritas - à atividade humana, sejam as físicas, sejam as convencionadas e impostas pela estrutura social, que impedem a aventura e a livre locomoção, resta, como viabilidade - raramente aproveitada e, quando o seja, apenas por poucos artistas - a deflagração do pensamento, da imaginação e da criação artística, irrestritos por natureza e só passíveis de estreiteza e amesquinhamento pela deficiência particular do indivíduo, não da espécie.

         Se o ser humano normalmente é coarctado em concepções e realizações, o artista não o é, já que se utiliza da liberdade, faculdades e possibilidades que também lhe concede a condição humana. Um deles é Buñuel. Um de seus exemplos, L’Age d’Or.

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, estudos brasileiros, história do Brasil e regional.