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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Filmes Soviéticos Década 1920

A GREVE
Engajamento e Arte


Guido Bilharinho

A Greve

         Pudovkin, em seu clássico Argumento e Montagem no Cinema (São Paulo, Editora Iris, s/d, p. 136), e Henri Agel, em Le Cinéma (Paris, Casterman, 1955, p. 85), citam, como exemplo de montagem simbólica, as cenas finais do filme A Greve (Stachka, U.R.S.S., 1924), de Sergei Eisenstein (1898-1948).
         Contudo, sob esse aspecto e essa pretensão, o cineasta russo não utiliza adequadamente a ideia. Pretendendo paralelizar e comparar a matança dos grevistas com a dos bois no matadouro, o apropriado seria mostrar, ao invés da morte de um boi e seu descarnamento alternado com o assassínio em massa dos grevistas, a queda de um boi após outro com idêntico revezamento. O efeito seria bem maior, já que a eficácia decorreria da sucessão, sincopada e sincrônica, da queda dos operários sob as balas assassinas com a derrubada de bois sob o guante do magarefe, pontuando-se o final com as centenas de cadáveres de operários de um lado e os corpos dos bois mortos de outro. O símile, no caso, é o tiro nuns e os golpes noutros com suas consequentes quedas ao solo. O descarnamento do boi, por demorado, não é impactante e nem estabelece analogia com os tiros e a queda dos operários, tendo função ou efeito contrário ao pretendido.
         Todavia, esse primeiro filme de Eisenstein já é obra do gênio, que, de filme a filme, só faz consolidar-se e aprimorar-se.
       A fotografia, os enquadramentos e angulações, a seleção de fatos da realidade cotidiana dos operários, o enfoque de pequenos animais e aves, o ritmo da imagem e a direção e interpretação dos atores formam ordenado encadeamento de cenas e sequências, dispensando até mesmo os letreiros que, desnecessariamente, funcionam, no caso, como títulos de capítulos, ou, às vezes, simples legendas.
         Por outro lado, não se pode negar que preside a realização do filme orientação maniqueísta imposta pelas circunstâncias de tempo e lugar. No caso, os operários vitimados são bons, puros. Os empresários maus, cúpidos e cheios de defeitos. Já o extremismo oposto, que domina as mentalidades e a visão da vida destes últimos, julga-os dinâmicos, trabalhadores, inteligentes e, por isso, ricos, enquanto que os operários são e continuam a ser operários por faltos de inteligência e, quando não, por pura malandragem. Ambas, visões unilaterais e distorcidas da realidade, que, todavia, não encobrem e nem disfarçam o mecanismo da exploração e apropriação do trabalho alheio.
         No mais, tudo leva a crer que um dos objetivos de Eisenstein é, paralelamente a mostrar e denunciar a exploração capitalista, incentivar a greve e a luta contra essa exploração. Contudo, além do filme não contribuir para isso, é-lhe, ao contrário, poderoso antídoto, já que a amostragem das consequências da greve (fome, desespero, assassínio em massa de trabalhadores), redunda no amedrontamento do operariado.
         É certo, porém, que a A Greve é realizado a partir da realidade nacional soviética de então, no sentido de mostrar a seus operários a exploração e a violência capitalistas, reforçando, assim, o regime. Constitui, pois, nesse sentido, obra engajada. Como, a seu tempo, os grandes afrescos das igrejas e a música sacra. Mas, como inúmeros desses afrescos e dessa música, esse filme também é artisticamente realizado, submetendo a mensagem à forma, sem o que nem configuraria arte. Por isso, uns e outros sobressaem e perduram muito além de seu condicionamento, projetando-se pelos séculos afora, como obras, certamente, perenes.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br)


terça-feira, 31 de outubro de 2017

Filmes Soviéticos Década 1920


OUTUBRO
A Arte da Realidade


Guido Bilharinho

Filmes Soviéticos 
Em 1927, no décimo aniversário da revolução soviética, Sergei Eisenstein (1898-1948), auxiliado por Grégori Alexandrov (1903-1983), realiza Outubro (Oktiabr, U.R.S.S., 1927) atinente à tomada do poder na Rússia pelos bolcheviques.
         Do ponto de vista puramente artístico e cinematográfico, é obra brilhante, como todas suas realizações. Salientam-se nela - pela extrema modernidade, agilidade e adequação - os cortes e a montagem.

         O estilo vigoroso de Eisenstein impõe-se desde a primeira tomada e prossegue até o final sem qualquer pausa. A angulação e o enquadramento são perfeitos, contribuindo, como tudo o mais, para dar ao filme ritmo frenético e vibrante, característica, também, de A Greve (Stacka, U.R.S.S., 1924) e de O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, U.R.S.S., 1925).

         Tais particularidades são tão fortes e pessoais, que qualquer indivíduo afeiçoado ao cinema, depois de conhecer um de seus filmes ou parte de um deles, tem condições de identificar, de imediato, sua autoria.

         Eisenstein, como nenhum outro, imprime à sua obra o tonus e o significado mais profundo dos fatos, transmitindo, por força disso, sua atmosfera e ambientação. Seu realismo não se limita, como usualmente ocorre, a captar apenas a realidade, mas, captando-a, em imprimir-lhe − mais do que exprimir-lhe − um sentido, que preexiste ao momento enfocado e persiste depois.

         As pessoas que desfilam, agem e atuam frente às câmeras não parecem representar simples personagens ou atores encarnando figuras de ficção, mas, os próprios responsáveis pelos eventos.

         Não se tem a impressão de se assistir a uma narrativa, a uma reconstrução ou equivalência dos fatos, mas, à própria realidade explodindo viva, presentificada, na tela. Assim, por pautar-se por acentuado grau de realismo, objetividade e verossimilhança, Outubro insere o espectador no vórtice dos acontecimentos, fazendo-o sentir-se como se os estivesse presenciando no momento em que se desenvolvem.

         O filme, por isso, não é documentário e nem configura ficção, inserindo-se num tertius genus, que apreende a realidade significante e significada, extrapolando os limites documentais de fatos apenas mostrados e a construção, normalmente livre, arbitrária e subjetiva, de entrecho ficcional.

         Se Eisenstein, tanto em Outubro, como nas demais obras citadas, se atém à impositiva faticidade, a ela acrescenta a criatividade do artista e, sem transfigurá-la ou mistificá-la, a constrói, muito mais do que a reconstrói, em toda riqueza de sua complexidade momentânea e simultaneamente histórica.

         Contudo, para conseguir erigir sua epopeia cinematográfica, sacrifica todo didatismo e repele qualquer esquematismo, pelo que só quem viveu os fatos ou deles já possui alguma informação está apto a acompanhá-los e entendê-los, nem que seja parcialmente.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando mensalmente desde setembro último um livro no blog: https://guidobilharinho.blogspot.com.br.