domingo, 2 de novembro de 2025

O DIA QUE O PRATINHA “ESPANTOU URUBU” NA CAIXA

Aconteceu com José Wilson Prata, o querido Pratinha, esse causo que ninguém esquece.

Pratinha - Foto de acervo pessoal de Dauro Prata.

Falar em aposentadoria, pra ele, era o mesmo que chamá-lo pra morte. Homem trabalhador, fazia de tudo na roça: tirava leite, mochava gado, capava porco, arava terra.

O Pratinha era de rotina simples e coração grande. Acordava cedo, tomava seu café coado no coador de pano e cuidava do sítio São José. Filho da Santina Próspero Prata, aquela italiana alegre, faladeira e querida por todo mundo, herdou dela o bom humor e a mania de prosear: onde passava, parava pra conversar com alguém. Era impossível andar com ele pela rua sem ouvir um “Ô Pratinha, cê tá bão?” de algum conhecido.

Mas lá pelos meados dos anos 1990, o sítio São José enfrentou dias difíceis. Veio a crise do leite em Minas, e olha que o leite vive em crise, mas aquela foi das brabas. Os fazendeiros penando pra pagar funcionário, comprar ração, remédio, vacina, energia... Nem tempo sobrava pra cuidar da própria saúde, quanto mais dos dentes.

Foi nessa época que os sobrinhos, amigos,  doutor Randolfo Borges Júnior e Wagner Nascimento (que era prefeito)  reuniram-se com a Dona Santina pedindo para ela falar com o Pratinha sobre a transferência da aposentadoria dela para ele após seu falecimento.

Ele ficou muito bravo e não aceitou a ideia que eles tinham planejado para ele.

Convencer o homem a aceitar não era tarefa fácil! Quando o assunto era aposentadoria, o Pratinha empinava a carroça mesmo! Ficava bravo, discutia, dizia que era forte, que não tinha doença nem deficiência, e que “esse negócio de aposentar era pra quem não aguentava mais o tranco”.

Um dia, juntaram todo mundo,  amigos, parentes e conhecidos, pra conversar com ele, tentar convencer o teimoso. Explicaram, argumentaram... e nada! O Pratinha bufava, cruzava os braços e encerrava o assunto: o homem estava brabo que nem onça chegando.

— Eu não preciso de aposentadoria coisa nenhuma! Eu trabalho, uai! — dizia.

Não aceitava de jeito nenhum.

Foi então que os amigos e familiares armaram tudo por conta própria.

Resolveram o processo, assinaram papel, juntaram documento, e, quando ele viu, a aposentadoria da mãe já estava passada pro nome dele, sem que soubesse de nada.

Até o dia em que… recebeu.

O sobrinho Dauro Prata Loes, o Daurinho, chegou e chamou:

— Tio, bora comigo na Caixa Econômica!

— Uai, pra quê? — perguntou o Pratinha.

— Cê vai ver!

Chegando lá, a funcionária olhou pra ele e disse:

— Uai, não me lembro do senhor aqui, não... O senhor fazia o quê na Prefeitura?

E ele, com aquele humor que era só dele, respondeu:

— Eu trabalhava no matadouro… espantava urubu!

A moça caiu na risada, conferiu os papéis e, quando viu, era um pacotão de dinheiro.

Pratinha arregalou os olhos, enfiou o dedo no bolo e separou três dedos de dinheiro pro Daurinho:

— Toma, menino, pra você gastar!

Daurinho quase pulou de alegria.

Saíram da Caixa de moto, o tio na garupa, e o Pratinha, feliz da vida, começou a bater as pernas como se tivesse montado num cavalo, gritando:

— Êêê boi! Vam’bora, São José!

E lá se foram, rindo, como se a vida tivesse virado pasto de novo.

Na saída, ainda soltou, com aquele sorriso maroto:

— Agora tô bonito no pedaço!

E era mesmo.

Depois daquele dia, nunca mais reclamou de aposentadoria.

Afinal, Pratinha não tinha doença, não tinha deficiência... Só esquecia de um detalhe:

o corpo era de adulto, mas o tamanho... era de menino!

Causo contado pelo sobrinho Dauro Prata Loes (Daurinho).

Texto: Antônio Carlos Prata


Pratinha faleceu em 11 de junho de 2005, mas segue vivo na lembrança dos uberabenses.