A porta de madeira rangia ao abrir. Do lado de dentro, o ar trazia o cheiro quente da tinta recém-saída das rotativas misturado ao aroma forte do café vindo da copa.
Lavoura e Comércio. Foto: Pitty.
Ali, na Rua Vigário Silva, em frente ao imponente Hotel do Comércio, vizinho da Livraria ABC e do Bar 1001, onde Chico Xavier tomava seu café, funcionava o Lavoura & Comércio — um palco vivo de histórias.
Hoje, o prédio que abrigou o jornal é ocupado pela Lojas Americanas, mas a memória daquele lugar permanece viva no coração de Uberaba.
Na lateral esquerda, no parapeito da janela, havia um tabloide afixado com as principais notícias que seriam publicadas. Várias pessoas paravam ali, curiosas, para ler os primeiros títulos do dia, criando uma pequena roda de conversas e expectativas na calçada.
Assim que a edição saía das máquinas, era entregue aos jornaleiros, que já corriam pelas ruas com os jornais debaixo do braço.
Das calçadas à Praça Rui Barbosa, da Rua Arthur Machado a outros cantos movimentados da cidade, ecoava o grito inconfundível:
“Aêêoooô Lavoura! Aêêoooô Lavoura!”
E logo, a manchete do dia era anunciada em voz alta, prendendo a atenção de quem passava.
Dentro da redação, entre mesas cobertas de papéis e máquinas de escrever batucando sem descanso, diretores visionários davam o rumo, jornalistas corriam contra o tempo, repórteres saíam para as ruas em busca da notícia, fotógrafos armavam suas câmeras, e colaboradores mantinham tudo funcionando como um relógio.
Cada um, com sua função, tecia as páginas que contariam o dia de Uberaba.
E não eram apenas profissionais da imprensa que cruzavam aquela porta.
Por ali passaram artistas de olhar sonhador, escritores com cadernos gastos, atores trazendo no rosto as marcas do palco, jogadores de futebol com o cheiro da vitória, políticos e personalidades sedentos de espaço nas manchetes.
Todos sabiam: se queriam ser notícia em Uberaba, o caminho passava pelo Lavoura.
O povo repetia, com orgulho e certeza:
“Se o Lavoura não deu, em Uberaba não aconteceu.”
O jornal era a sala de visitas da cidade, lugar onde a vida se registrava para sempre.
As manchetes que nasciam ali cruzavam Minas, chegavam a outros estados e moldavam opiniões.
Por quase 104 anos ininterruptos, o Lavoura resistiu a crises, mudanças tecnológicas e transformações de época, interrompendo sua circulação apenas por dois dias — não por falta de coragem, mas por uma greve dos gráficos.
E então, no 27 de outubro de 2003, a última edição saiu.
As máquinas silenciaram.
Mas, para Uberaba, o Lavoura & Comércio não se calou.
Permanece vivo na memória dos que o fizeram acontecer — diretores, jornalistas, repórteres, fotógrafos e colaboradores — e de todos que tiveram a sorte de ler suas páginas.
Porque certos lugares não fecham as portas — eles se transformam em eternidade. (Antônio Carlos Prata)
