Quem tem hoje seus 30 anos de idade, provavelmente conheceu Jorge Nabut como colunista social, tarefa à qual ele se dedicou por décadas no Jornal da Manhã e – mais recentemente – nas redes sociais. A partir da estreia, nos tempos em que ainda assinava a coluna "Iago", Nabut criou um estilo próprio, no qual se consagrou como concorrente e digno sucessor do "Observatório de Galileu" – a coluna do Ataliba "Netinho" Guaritá, publicada no Lavoura e Comércio.
Mas, nessa hora em que Nabut nos deixa de surpresa, o UBERABA EM FOTOS gostaria de destacar que o jornalista foi também "antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto" um batalhador múltiplo e incansável da cultura e do patrimônio histórico uberabense. Arriscou-se como diretor num grupo de jovens que fazia teatro de vanguarda na Uberaba conservadora e careta dos anos 1970, dirigiu e produziu filmes de curta-metragem, escreveu peças, prosa e poesia, organizou festas memoráveis.
Numa época de "milagres econômicos", em que políticos, autoridades e colegas da imprensa saudavam com entusiasmo o "progresso" que jogava ao chão os belos casarões do centro histórico da cidade, Nabut propunha a criação de museus, defendia o tombamento das igrejas e dos nossos marcos históricos e arquitetônicos. No início de 1976, ele foi pioneiro em idealizar a criação de um Museu do Boi, iniciativa que se concretizaria, oito anos depois, no Museu do Zebu da ABCZ. Foi também um defensor da fundação de um Museu de Arte Sacra na igrejinha de Santa Rita, museu esse que ele teria a felicidade de dirigir, décadas mais tarde.
Nas páginas dos jornais dos anos 1970, Nabut (re)apresentou aos uberabenses a esquecida Vila do Desemboque, a mais antiga povoação do Triângulo Mineiro. Pesquisou e divulgou a tradição musical erudita, mas também a cultura e a religiosidade populares. Contou casos de mascates, de imigrantes, de boiadeiros, de lanterninhas de cinema, bordadeiras e de jogadores de futebol. Essa obra múltipla se esparrama, como um caleidoscópio, nos vários livros que Jorge publicou ao longo da vida – começando com o clássico "Coisas que me contaram, crônicas que escrevi", uma coletânea de seus artigos na imprensa, lançado em 1978 (e hoje disponível em PDF na internet).
Como é usual acontecer com aqueles que fazem muito na vida, Nabut era sagaz, irônico, suavemente vaidoso e, com frequência, controverso. Colecionava com facilidade amigos e admiradores, mas também desafetos e bajuladores baratos. Para mim, ele foi, por décadas, uma figura folclórica e pouco mais que um conhecido distante. Só nos últimos quatro ou cinco anos, tivemos a oportunidade de um contato mais próximo e frequente, por conta de parcerias em áreas afins e de interesses comuns. Essa experiência foi tão interessante quanto divertida. Lamento, mais ainda agora, que ela não tenha começado alguns anos mais cedo.
Numa das nossas últimas conversas, Nabut me enviou uma resenha escrita pela educadora Vânia Maria Resende sobre "O Livro de Elias", obra sua, lançada em 2023. Tomo a liberdade de destacar um trecho especialmente bonito:
"Nesse livro-poema para o pai, a vida se confronta com a morte; a arte dribla a finitude, precisa vencê-la, e o filho deseja estar com o pai, de novo, de outra forma. Entre sutilezas afetivas e certas nuanças contundentes e aflitivas, a forma feita de fragmentos (com lacunas e incompletudes) gera o espaço novo, portador da significação do reparo compensador e do fulgor da “alforria”. Nele, o escritor tem o condão de fazer, pela palavra, o retrato do pai em versos, e frente a frente com ele, como nunca antes, restaurar o encontro, a proximidade, o afago."
Pois é, Jorge! Vai lá dar aquele abraço merecido no Seu Elias.
(André Borges Lopes)