quinta-feira, 6 de julho de 2017

COLUNISMO SOCIAL: UM CAMPO DE POSSIBILIDADES PARA A INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

UM CAMPO DE POSSIBILIDADES PARA A INVESTIGAÇÃO HISTÓRIC0

    Ao pensarmos a História como a narração das experiências humanas, como a dinâmica das sociedades, devemos levar em conta a importância da pesquisa histórica. Conhecer melhor o passado é o melhor caminho para a compreensão de nossa realidade, de nossa identidade, das perplexidades vividas. A compreensão do passado resulta em acréscimo ao entendimento e a análise de quem somos. E, não é exagero afirmamos que o interesse pela história é a chave para a construção de uma cidadania mais ativa e consciente.

     As formas de expressão de atividade humana e os vestígios da trajetória humana que surgem de inúmeras maneiras – tais como: escritos, fotografias, objetos, arquitetura, literatura – constitui atualmente, fontes recorrentes para a produção historiográfica. Qualquer pessoa que se disponha a recuperar o passado encontrará varias formas de vestígios e registros. Sobretudo, o historiador estimulado à pesquisa tem, na própria riqueza de nossa história local, um leque de possibilidades de investigação.

     Nessa perspectiva, o arquivo municipal de Uberaba, dispõe de um vasto conjunto documental. O acervo é amplo e inclui documentação oficial ( do Legislativo, Executivo e  Judiciário), jornais, arquivos fotográfico, livros de atas, arquivo privado e mais uma séries de documentos que permitem ao pesquisador múltiplas opções  para construir sua investigação histórica. Pude constatar, in loco – quando ao longo de 2003 e um semestre de 2004, ali realizei uma atividade de pesquisa – o amplo campo de possibilidades que o APU oferece a quem se dispõe a compulsar sua documentação. Minha investigação centrou-se no Jornal Uberabense “Lavoura e Comércio” mais precisamente na coluna “Observatório” do jornalista Ataliba Guarita Neto (1924-2000). Esta coluna foi publicada de 1955 a 2000, mas o recorte temporal da minha pesquisa estendeu- se de 1955 a 1980.

     Meu trabalho objetivava coletar dados para uma pesquisa, cujo objeto de investigação era a influência do colunismo social na formação do imaginário social. Ou seja, como a coluna social por meio de suas mensagens atua na formação de comportamentos e opiniões, cria modismo, confere ou retira status social.

     Executar este trabalho foi uma seqüência de surpresas e descobertas. O universo de variadas informações permitiu- me vislumbrar o colunismo  social como fonte de investigação da história local. Conteúdos diversos – tais como: viagens ao exterior, festas magníficas, pessoas bem sucedidas, fatos políticos e históricos, opiniões pessoais, descrição de casas como verdadeiros palácios, publicidade e filantropia – se misturam na Coluna “Observatório”. Nela, Netinho, como era conhecido o Jornalista Ataliba Guarita Neto, revela-se e, através de suas notas, desvela a sociedade em que convive, na condição de emitente de crenças e valores dessa sociedade.

     Portanto, apesar da natureza, peculiaridades e especificidades pertinentes a coluna sociale a pecha de “superficialidade” que a envolve, ela pode apresentar uma importante fonte para o historiador ao fornecer-lhe subsídios para elucidar a composição do quadro socioeconômico da cidade, indicar o perfil da sociedade local, refazer trajetórias, etc.

     Passo agora,- sem a pretensão de elaborar um texto historiográfico – a fazer um simples apanhado de algumas observações e reflexões suscitadas a partir de dados e/ou informações pinçadas ou rastreadas na coluna “Observatório”.

Em sua primeira nota no diário, o autor representa suas intenções:

Começo hoje. Esta na moda ser colunista social. Então resolvi “mudar de profissão” e não ficarei mudo (calado), esperando     ouvir muito, conversar muito, para depois escrever no seu jornal. Não tenho pretensões e não desejo imitar ninguém. Preciso ter personalidade. Estilo próprio. Assim prometo. (Jornal Lavoura e comércio, 9 / fev. / 1955, p. 3).

      Embora assumindo ser fã de Ibrahim Sued – Colunista social carioca – Netinho promete fazer uso de um estilo próprio.

     A mulher ocupava grande espaço na coluna. Era sempre prestigiada de alguma forma pelo colunista, seja por sua beleza, elegância ou dinamismo. A trajetória das lutas das mulheres por emancipação e uma participação mais ampla na sociedade, por ser acompanhada no decorrer dos anos em seu trabalho.

Conforme prometi, “Observatório” diariamente ira homenagear as comerciarias. Uma seção especialmente para falar destas jovens que trabalham confirmando a acertada definição “o trabalho enobrece”! elas trabalham nas casas comerciais, nas repartições públicas, no lar, – demonstrando enfim, que a mulher deve e pode ser independente. Aliás, comentam os homens ultimamente, que as mulheres estão tomando de assalto os cargos mais importantes, enfrentando o homem com coragem e vantagem! (…) (Jornal Lavoura e Comércio, 12/mar/1958, P. 3).

     Observa-se que, Netinho prestigiava as mulheres que trabalhavam fora. Elas eram merecedoras de homenagens, manifestadas em seu espaço através de reportagens e entrevistas.

MOTORISTAS: Motoristas atenção! Elas vão passar. Elas também sabem dirigir. Umas – com licença do dr. Rogedo, todas – com licença do marido ou papai. Sim, dirigem bem a sua casa e dirige (será bem ou mal?) o seu automóvel (…) Estão adquirindo praticas para dirigir o carro, já sabem dirigir a casa e depois… saberão governar melhor o esposo! (Jornal Lavoura e Comércio, 16/fev/1955, P.3).
     Nesta hora, Netinho faz um comentário a respeito das mulheres, da cidade, iniciantes na direção. Contrapondo-se a nota anterior quando ele estimula a independência, nesta é usada uma fina ironia na referência à permissão dos maridos ou pais para as mulheres dirigirem. A forte associação das mulheres às tarefas do lar e a insinuação de que práticas como “dirigir automóvel” resultaram na submissão dos maridos, compõe o imaginário social da década de 50. Vale lembrar que a emancipação feminina só se efetivará a partir da década de 60. Portanto, há que se considerar que, vivenciando uma época conservadora e tradicional, o autor a reproduz. Seu pensamento não deixa de ser o pensamento predominante da sociedade em que se insere.

     Os últimos lançamentos da moda e as tendências eram sempre registrados, emitindo conceitos do belo e alimentando o imaginário social de que seria o estilo ideal a ser seguido.

As nossas “giris” estão adotando o penteado da lolô. Sim, a Lolobrigida espalhou pelo mundo – as curvinhas do seu cabelo, bem perto das orelhas que não escutam apelidos. E com esse penteado, a Leonora Sabino está provocando justa sensação na cidade. Um espetáculo pros olhos da “solteirada” (Jornal Lavoura e Comércio, 11/fev/1955, P.3).

Maria Lucia Cipriano Coelho ostentava moderno vestido de noiva, confeccionado por  Clodovil, o famoso costureiro de São Paulo. Vestido em organdi suíço, com flores na barra, um longo véu formando cauda, também em organdi. O rosto bonito de Maria Lucia aparecia em grande destaque. (Jornal Lavoura e Comércio, 3/out/1963, P.3).

     Ter sua festa anunciada na coluna social era (e ainda é), sempre motivo de envaidecimento. Os ricos trajes descritos detalhadamente, as recepções suntuosas refletiam o poder de quem podia ostentar.
      Na sua coluna, Netinho preocupava-se em demonstrar o progresso de Uberaba. As conquistas locais eram todas registradas e bem consideradas.

Televisão não é mais sonho em Uberaba. TV Uberaba é uma autentica realidade. Ontem o dr. René Barsan teve uma reunião com a imprensa escrita e falada. Mais cedo do que muitos esperavam – TV – Uberaba estará no ar e funcionando em alto estilo. (Jornal Lavoura e Comércio, 26/nov/1971, P.3).

A grande notícia de ontem no meu programa de rádio: Urbano Salomão vai construir shopping center. A marca do progresso. O slogan paulista também é nosso: Uberaba não pode parar. (Jornal Lavoura e Comércio, 08/jul/1972, P. 3).

     As duas notas referem-se a figuras publicas e de destaque em Uberaba. Referencias como estas eram comuns na coluna, divulgando fatos e feitos de Uberabenses que enchiam de orgulho a cidade.
O político Mario Palmério viajou, hoje, para o Rio de Janeiro. Mario está terminando o seu próprio livro “Chapadão do Bugre”. Meu companheiro Rui Novais, que conhece a nova obra do Deputado-escritor, afirma que este livro repetirá o sucesso de “Vila dos Gonfins”, que bateu todos os recordes de “best-seller” na capital da República. (Jornal Lavoura e Comércio, 3/mar/1958, P.3)

(…) é de justiça conhecer o pioneirismo de Alexandre Campos em nossa cidade. O homem viveu 50 anos(visão) na frentes dos outros! E quase tudo nesta cidade contou com a sua participação. Banco Triangulo, Drogaria Alexandre e sua rede gigantesca, telefônica, comércio e indústria, fundador da associação Comercial, etc, etc, etc, etcetera! Os meninos de hoje não conheceram o gigante de ontem. Alexandre Campos plantou progresso. (Jornal Lavoura e Comércio, 18/mai/1971, P.3).

     A explicitação do amor do jornalista Ataliba Guarita Neto por Uberaba, era uma constante no “Observatório”. Ele manifestava seu “bairrismo” e evocava as pessoas a sentirem o mesmo que ele. Não raro o colunista utilizava seu espaço em benefício de Uberaba; vibrava e se entusiasmava por conquistas alcançadas. Usava também a coluna para críticas ferozes ao que julgava ser descaso das autoridades.
Hoje é o ultimo dia do ano. Não posso me queixar de 1962, mas, confesso que espero muito mais de 1963. Principalmente para minha Uberaba, que tem fome de progresso e está precisando apenas de apoio, entusiasmo, bairrismo e trabalho. (Jornal Lavoura e Comércio, 31/dez/1963, P.3).

     Como já afirmado, se a coluna tinha a função de ditar comportamentos, era também sabiamente usada por Netinho para incentivar a solidariedade. A questão social era uma constante em seu trabalho. Campanhas, apelos e ações beneficentes tinham passe livre em sua coluna.
Você que é feliz e nunca precisou de uma casa de caridade – lembre-se de seus irmãos menos afortunados. Inscreva-se como sócio da Santa Casa. (Jornal Lavoura e Comércio, 26/mar/1963, P.3).

     Diante do exposto enfatizamos que o colunista social na imprensa, simboliza, no imaginário de uma sociedade, status social. Oferece ainda, uma visão estimulante da maneira como viviam, pensavam e sentiam as pessoas de uma comunidade em um determinado contexto. Apesar de centrada no viver e afazeres de uma determinada camada socioeconômica privilegiada, paradoxalmente, a coluna social, não é lida somente por esta elite; atinge todas as classes da sociedade. Faz-se pertinente lembrar que, o cotidiano das classes mais favorecidas sempre exerceu fascínio sobre os que têm menor poder aquisitivo e, a coluna social através de seu conteúdo e de suas mensagens, leva o leitor, que não pertence aquele meio, a se sentir de alguma forma participante dele.

     Contudo, a coluna social não tem somente o papel de divulgar fatos ligado à elite; ela aborda uma variada gama de assuntos que retratam a sociedade. Permeando a divulgação de inauguração de clubes, prédios, estádios, visitas ilustres, acontecimentos, reivindicações, mortes, nascimentos, a coluna social conta uma história, a história da cidade, e de sua gente. Através da coluna social, podemos conhecer uma comunidade, desvendá-la, penetrar em suas nuanças.
     Foram inúmeros de benefícios adquiridos por mim por conta da realização da pesquisa. Conviver com nomes que conhecia somente através de logradouros, deparar-me a toda hora com os costumes que hoje já não vigoram, viajar por inaugurações de parques, prédios, constituíram suporte para o maior conhecimento da história da minha cidade.

     Debruçar-se num trabalho de pesquisa histórica é a todo o momento deparar-se com o desconhecido, o inesperado, pois o progresso de investigação não cabem em esquemas prévios. Idéias pré-concebidas acerca do colunismo social foram modificadas, alargando minha visão e mudando paradigmas. Pude perceber que, meu trabalho de investigar a coluna do Netinho, uma modalidade de coluna da imprensa que tematiza o cotidiano da elite, resultou numa experiência extremamente profícua. Pude constatar que no recorde de classe social que perpassa as notas do colunismo social, subjaz um campo de possibilidades de investigação. E, no caso específico do “Observatório”, cujo colunista, por quarenta e cinco anos, deteve esse espaço privilegiado, fixo e quase contínuo na imprensa local, parece-nos ainda mais relevante a investigação.

     Esta coluna representa um campo de atuação social que reflete e produz discursos contínua e concomitantemente, colaborando na construção das diversas representações de um grupo socioeconômico privilegiado Uberabense, cujas práticas visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo.
     Acresce-se, ainda, que dessa modalidade de coluna evidencia as tramas das relações cotidianas de agentes sociais e representam demandas de um nicho da comunidade local. Concluir- se que, a coluna do Netinho armazena um referencial significativos de idéias e informações que sistematizadas constituem um “Campo fértil” para o trabalho do historiador.

Luciana Maluf



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