quarta-feira, 28 de junho de 2017

RUA DO COMÉRCIO DE CABO A RABO, DA JOÃO CAETANO EM DIANTE

O quadro é da pintora angolana Filipa Simão.

           
         Rua Artur Machado, fotografada do 5º quarteirão no sentido do centro da cidade.
Foto em filme diapositivo colorido, feita por Edison Reis Lopes, na manhã do dia 28 de julho de 1971, uma quarta-feira. Devia ser bem cedo, as portas dos comércios ainda estão baixadas. (Andre Borges Lopes).
                                            

Fachada da Super Loja - Foto do acervo de Uberaba em Fotos.


Em frente à Casa das Máquinas, tinha uma farmácia cujo o gerente era o Zequinha. De dia bom farmacêutico, à noite, solteiro, um bom seresteiro. A seguir a Casas do Babá, material de construção, resolvia na casa qualquer problemão. Perto dali os Grisi, italianada danada. Pais e filhos falavam tão alto que parecia até “brigaiada”.

Casa Daló em frente. Gerente, o Hélio. Educado, inteligente, competente, fala mansa, cativava a gente. A auxiliá-lo os irmãos Dininho e Luiz não eram diferentes. O pintor Élvio Fantato, artista de proa, tinha loja bem pertinho. Para agradar o freguês, sempre dava um jeitinho. Na esquina da ladeira, a loja do Emilio Pucci, bonita, moderna, vitrinada e requintada. Artigos masculinos de primeira, sucesso na cidade inteira. Ali, quase “pegado”, saudade do Alfredo Antônio, barbeiro do salão do João Spiridião, onde fofoca política era de montão.

Um pouco à frente, sobrado bem cuidado: era a Pensão da Tia Lêda. Portas sempre abertas e alertas recebia a “homaiada” a transar com as lindas, loiras e morenas robustas, alegres prostitutas sem barulho nem algazarra, tinha de tudo, menos farra. Embaixo, a joalheria do Walter Gaia, delicado, dedicado, que só vendo e nunca se “escondendo”... Do lado esquerdo de quem vai, guardava os transformadores da Cia. Força e Luz, que a verve popular cantarolava: ”Cidade que seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. Antes, a loja do Cantidio Bertoldi, caça e pesca, alegria pra quem gosta de pescaria.

Na esquina da Padre Zeferino, a loja do Neyf Fakouri tem mais de quarenta anos. Sempre à porta, alegre e bonachão, esparrama mercadoria até pelo chão. Lado de baixo, o Salão do Nazaré. Barbeiro que todo mundo botava fé. Lado de cima, a farmácia do Ferreirinha e a lembrança eterna do Brasilino Felipe, botafoguense e homem de fina estirpe. Na sequência veio a benevolência. Poucas lojas abertas, o nó nos grogumilo, saudade, eis na porta a casa a Maria Augusta, prostíbulo conhecido, afamado e respeitado. Educada e justa, recebia bem a moçada com a “grana curta”.

A Padaria Espéria, prédio imponente, abrigou panificadora florescente, anos mais tarde (a crise?) tornou-se impotente, decadente. Ao lado, uma portinha decente recebia o Garcia, técnico de rádio. Como a Conceição, sumiu, ninguém sabe ninguém mais o viu... O Bazar Azul começou de um lado e depois mudou-se para o outro. Geração Santos Anjo ainda domina. Avô passou para os filhos, esses ao neto que mantém acesa a dignidade da sina.

Já a Pensão da Dona Ema acabou. Que pena! A frondosa Gameleira foi ao chão. Durou, durou. Judiada, maltratada não resistiu. Sem forças, alquebrada, sucumbiu. Morta e sepultada. Para os jovens não quer dizer nada. Para os velhos, uma saudade danada... Na subida da Mojiana, lado direito, apenas escombros e tombos da velha máquina de arroz dos Castejon... haja “corazon”. Nada resta mais. O “terrenão” é da Diva de Moraes.

À esquerda , quase chegando no topo do morro, o armazém do João Corrêa, sortido até a tampa. Mantimento não faltava nenhum. Afinal, ao lado morava o saudoso Moisés Sallum. Encostado, ainda resiste e perdura o imponente “chatô” do cônsul italiano Augusto Buchianeri, que jurava não ter parentesco com a Ana Neri...

Falta muita coisa ainda. Essa lembrança não se finda. O cansaço me dominou. As lágrimas começam a escorrer por esse rosto cujas rugas fizeram avenidas de saudade. Tento resistir. Consigo. Se me permitirem, amanhã, recomeço na praça Rui Barbosa, com muita lembrança e prosa. Rua comprida. Por ora, missão não ainda cumprida. Prometo terminar amanhã. Luiz Gonzaga de Oliveira