segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

UM ARCEBISPO E DOIS GENERAIS

Em 1964, um de meus irmãos trabalhava na Sudene, em Recife. O diretor daquela famosa instituição era o Dr. Celso Furtado, economista de nome internacional e autor de vários livros. Como analisava a realidade brasileira em seus aspectos de injustiças e miséria do povo, era rotulado como comunista. Isto, na lógica dos militares e das classes dominantes e reacionárias. Acontece que meu irmão era da equipe de Celso Furtado, por isso foi preso para um posterior julgamento. Depois de quatro meses ficamos sabendo dos acontecimentos e minha mãe entrou em pane.

Fui, então, escolhido para ir a Recife tentar a soltura de meu irmão. A chefia do Serviço Secreto de Informações do Exército estava nas mãos do Coronel Ibiapina, homem duro e sem diálogo. Era apelidado de “o terror do Nordeste”.  Fui procurá-lo, expliquei meu caso, o problema de minha mãe já velha e que vinha a Recife ver se conseguia uma indulgência. O Coronel respondeu friamente: “Seu irmão é comunista e ficará preso até o julgamento”. Por sorte, deu-me permissão pela vê-lo uma vez por semana.

No dia determinado fui ao Quartel. Trouxeram meu irmão até mim, escoltado por dois militares armados de fuzil e baioneta. Estava macérrimo e estranhamente descorado. Dei a ele notícias de casa, de todos. Quanto a ele, quase nada me disse de fundamental, temendo a vigilância grudada entre nós dois.

Comecei a procurar pessoas de influência, tentando ajuda. Fui à residência do Arcebispo de Recife, Dom Helder Câmara. Disse-me que pessoalmente era mal-visto pelos militares. Sugeriu-me procurar o General Muricy. Segundo o Arcebispo, esse general era casado com uma senhora muito religiosa e militante de Igreja. Quem sabe? Muricy recebeu-me educadamente, sem alterar a voz, mas com a afirmação de que nada poderia fazer. Aconselhou-me a procurar o General Bandeira. Este recebeu-me de pijamas, em seu quarto de hotel. Contei-lhe minha história. Começou a chorar (sic), dizendo que nada podia fazer, tinha um filho preso, também acusado de comunista.

Diante dos fatos, decidi voltar para Uberaba. Antes de partir, fui ao Bairro Casa Amarela. Queria ver uma famosa criação de colibris do jornalista Assis Chateaubriand, a maior e melhor do Brasil. Realmente, era de se tirar o chapéu.

Na volta, vi uma casa de dois andares com a inscrição: Casa Leão XIII, residência dos padres idosos. Desci do ônibus e fui ver, de perto, aquela instituição. Conversando com vários padres, todos muito simpáticos, contei minha história. Um deles deu-me a seguinte informação: “Você não vai conseguir nada com as autoridades. Só há uma possibilidade, muito longínqua. Reside aqui um padre espanhol, muito amigo do Ibiapina. Todos os domingos eles se reúnem na Igreja, pois são da Sociedade de São Vicente. Esse padre vem para o almoço. Não deve demorar.” De fato, quinze minutos depois eu já estava conversando com ele. Era um padre  miudinho, de fala mansa, um pinguinho de gente. Ao vê-lo, pensei: Estou perdendo tempo com esse velhinho… Pelo sim ou pelo não, contei a ele a minha história. Ele ouviu com carinho e disse que ia conversar com a fera.

Na segunda-feira, voltei ao Quartel. O Coronel Ibiapina não me recebeu, mas deixou-me um bilhete na portaria: “Padre Prata, pode voltar para Uberaba. Diga à sua mãe que seu irmão será libertado na próxima quarta-feira. Garanto-lhe. Coronel Ibiapina.” E assim aconteceu.

É assim na vida: uma informação certa vale mais que um arcebispo e dois generais.

Padre Prata