segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

GLOSSÁRIO PARA O ANO QUE VEM

No ano que vem, vamos evitar o riso cínico, o abraço protocolar, o aperto de mão frouxo, o desdém imotivado, os olhares enviesados, a indiferença humilhante e os gestos rudes. Vamos evitar também a frieza, o açodamento dos bate-bocas em tarde festivas. Vamos fugir da ira reformista dos moralistas, vamos nos proteger da visão generalista do clínico geral, da missa repetitiva do pároco, da ira legal do promotor, da condenação sumária do juiz, do recurso intempestivo do advogado, da burocracia encardida do funcionário público.
No ano que vem vamos evitar o ódio condescendente dos arrependidos, a raiva oportunista dos inimigos invisíveis, a agressividade cenográfica dos detratores. No ano que vem vamos desvendar o anonimato providencial dos agressores, a luxúria dos exibicionistas, o lucro fácil dos capitalistas, a prática totalitária dos comunistas. Vamos reconstruir a possibilidade, cimentar a perspectiva de dias melhores, trabalhar contra a escuridão, vamos apoiar a diversidade, prestigiar as minorias, abraçar a multidão.
No ano que vem vamos evitar os espasmos violentos. Vamos conter o avanço dos skinheads, a tensão permanente dos policiais, a raiva incontida dos bandidos, a pressa constante dos mototáxis. Vamos combater os ácaros, a dengue, os maus súbitos, a indolência doentia, a rebeldia covarde, os pernilongos, as baratas e, sobretudo, os ratos. Vamos contestar os impostos extorsivos, os juros escorchantes, as taxas degradantes, o custo alto dos pequenos prazeres. Vamos fazer regime, correr nas primeiras horas do dia e prestar atenção no crepúsculo, desligar a TV e passar tardes amenas nas varandas.
Francisco Marcos Reis
31 de dezembro de 2015