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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

AMOR, MORTE E MISTÉRIO NO HOTEL DO COMÉRCIO

Fachada do hotel do Comércio
Quem passa hoje em dia defronte à loja Magazine Luiza, bem no começo da Rua Vigário Silva, raramente sabe que ali funcionou – por mais de um século – um respeitável hotel. E não era qualquer hotel: entre a sua fundação, em 1876, e a inauguração do Grande Hotel na Avenida Leopoldino, em 1941, o Hotel do Comércio foi o melhor e mais refinado ponto de hospedagem de Uberaba. Sua primeira proprietária, Dona Balbina Freitas, acostumou-se a receber todos os visitantes ilustres que se aventuravam pelo Triângulo Mineiro na virada do século XX.

Além da hospedagem, o hotel oferecia um restaurante de alto padrão – num tempo em que Uberaba não dispunha de muitas outras opções. No seu salão aconteceram grandes banquetes, festas e recepções, com menus baseados em pratos franceses das receitas de Auguste Escoffier. Fazendeiros em busca dos famosos Zebus, negociantes de São Paulo que chegavam ao sertão pela ferrovia e autoridades vindas da Corte carioca tinham no “hotel da Balbina” uma parada segura e confortável.

Recorte de jornal - Lavoura e Comércio     

Esse devia ser o caso do jovem senhor Alcebíades Xavier Leite, inspetor regional da multinacional petrolífera Atlantic Refining, que tinha o costume de visitar Uberaba a negócios na primeira metade dos anos 1930. “Moço, cheio de vida, otimamente colocado e possuindo fartos meios de vida” – segundo os jornais da época – o jovem tinha muitos amigos em Uberaba e hospedava-se regularmente no estabelecimento de dona Balbina.

Mas na madrugada do dia 2 de outubro de 1935, as coisas correram de modo estranho. Alcebíades chegou agitado ao hotel a uma da manha. Antes de entrar no quarto nº 6, onde estava hospedado, pediu um martelo ao porteiro. Com ele, quebrou a boca de um frasco de vidro. Em seguida, voltou à rua – onde ficou por um tempo conversando com uma mulher, até que ambos foram embora no carro do inspetor. Pouco depois, o jovem retornou sozinho, trancou-se no quarto e ingeriu uma quantidade cavalar de cianeto de potássio – veneno rápido e letal, imortalizado em guerras e romances policiais.

   Recorte de jornal - Lavoura e Comércio     
         
No dia seguinte, com a cidade tomada pelo estupor e comoção, só se falava do gesto tresloucado de um rapaz tão bem sucedido. Casado, e com uma filha ainda nova em São Paulo, Alcebíades deixara alguns escritos onde – supunha-se – estava a explicação do gesto extremo. Em boca miúda, comentava-se sobre uma paixão avassaladora e clandestina por uma mulher “de vida airada” residente em Uberaba.

  Recorte de jornal - Lavoura e Comércio     
      
O agente local da Atlantic,  alguns amigos, colegas e representantes comerciais se encarregaram de abafar o escândalo, providenciando velório e um enterro rápido e digno no cemitério de Uberaba. A família não se manifestou a tempo e tampouco compareceu à cerimônia. Só no dia seguinte chegou, tarde demais, um pedido para que o corpo fosse levado a Ribeirão Preto.

       Recorte de jornal - Lavoura e Comércio     
                
A polícia local, com discrição e respeito surpreendentes, não divulgou o conteúdo das cartas em seu poder. O caso de amor, traição e morte sumiu rapidamente da imprensa, sem que o mistério fosse esclarecido. Uma semana depois, o jornal Lavoura e Comércio publicou apenas uma pequena nota onde a viúva manifesta seu “profundo e imorredouro agradecimento” a todos os que se solidarizaram diante do duro golpe que sofrera. O Hotel, fechado e demolido no final dos anos 1980, levou consigo esse segredo.


André Borges Lopes é jornalista, especializado em produção gráfica, uberabense e historiador nas horas vagas.