JUSTIÇA SEJA FEITA
Ele deixou, como um verdadeiro gigante, marcas profundas na história da educação em nossa cidade. Nascido em São Bento do Sapucaí, SP, em 01/01/1901, iniciou na área educacional como diretor escolar em São José dos Campos e depois em Bastos, ambas em SP, antes de vir para Minas, em 1946, na condição de Inspetor Técnico de Ensino com atuação em Belo Horizonte. Dois anos depois, em 1948, foi designado pelo governador Milton Campos para organizar, pôr em funcionamento e dirigir a Escola Normal de Uberaba.
Embora graduado em farmácia e medicina veterinária, possuía várias licenças para lecionar, dentre outras matérias, Português, Latim, Francês e Ciências Naturais. Por seu vasto conhecimento geral, em especial de História, era comum vê-lo assumindo aulas de reforço ou em substituições a professores faltosos.
Alguns traços de sua personalidade sempre chamaram a atenção de todos os que o conheceram. Sua aparência irretocável, na elegância de um dândi, não dispensava o uso de um terno bem cortado. A par dos traços bem apessoados, aliava substanciosa erudição e tratamento irrepreensível em termos de linguagem. O costume de elevar a voz ante comportamentos indesejáveis dos alunos era sua forma de tentar impor autoridade. Nessas horas era comum vê-lo usando expressões como: “macacos(as) de auditório”, “grã-finas de porão”, hoje tidas como politicamente incorretas. Ninguém se ofendia, pois sabiam de sua disponibilidade em auxiliar os necessitados em aulas de reforço extraclasse. Solteiro inveterado morava no Palácio Hotel, na Praça Rui Barbosa, certamente pela proximidade com a Escola Normal, à época na Rua Manoel Borges, poucas quadras dali.
Sua lisura no trato da coisa pública infelizmente não o livrou de rumoroso inquérito por suspeita propostas indecorosas e homossexualismo, com acusação centrada em denúncia de um funcionário insatisfeito com sua dispensa do trabalho, por um pai não atendido em pedido de vaga para o filho e outras sobre seu "mau comportamento", mas sempre “por ouvir dizer”. Em seu favor compareceram em juízo: um deputado estadual, quatro médicos (um deles general e o outro catedrático), três juízes (um já em tribunal superior) e um delegado. Ele temia ser exonerado em véspera de sua aposentadoria. Depois de longa e demorada tramitação, já em grau de recurso, teve reconhecido seu direito de retorno ao cargo, com pagamento dos atrasados, bem como o de ser devidamente indenizado em face de infundadas e não provadas acusações.
Justiça seja feita, ele não fez por merecer tamanha desfeita e nem ter passado o que passou. Sequer chegou a gozar da merecida indenização, pois doou todos os valores por ele recebidos ao asilo onde viveu seus últimos anos de vida e nem ao menos o de poder ver seu nome de volta na escola a qual tanto se dedicou.
Seu perseverante exemplo é um verdadeiro ensinamento da “Aula de Vida”, no dizer de Bráulio Bessa, quando diz:
“Na faculdade da vida / de tudo pude aprender. / Cada aula, uma lição, / cada lição, um dever. / As provas me machucando, mas quem aprende apanhando / pode ensinar sem bater.”
E é por isso que, ao menos aqui nas páginas de Coisas e Fatos Antigos de Uberaba, a augusta instituição de ensino continuará a ser chamada Escola Normal Leôncio Ferreira do Amaral, um homem honrado cujo legado merece ser sempre lembrado.
Moacir Silveira
Fonte: “O Ensino de História da Educação na Escola Normal”, de Rosângela M.C. Guimarães (EDUFU, série Monografias, v. 4, páginas: 178/182 e 230/237).
Imagem: foto original em P&B (p. 179) por mim ampliada e colorida.