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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Obras-Primas do Cinema Europeu

BERLIM, SINFONIA DA METRÓPOLE
O Ritmo do Século

Guido Bilharinho
O Ritmo do Século

Se o cinema nas duas primeiras décadas do século XX tateava à procura de uma linguagem própria com base na paulatina descoberta, utilização e domínio dos recursos da câmera, das possibilidades da imagem em movimento e dos primeiros (e fundamentais) passos para o conhecimento e conscientização dos efeitos da montagem, os anos 20 desse século assistem a eclosão de uns e outros.

         Nessa década dão-se realizações artísticas experimentais e de vanguarda como nunca antes e nem depois o cinema teria iguais, em qualidade e intensidade, bastando lembrar, entre outras, as obras de Marcel L’Herbier, Fernand Léger, Walter Ruttmann, Marcel Duchamp, Germaine Dulac, René Clair, Man Ray, Dimitri Kursanoff, Alberto Cavalcanti, Buñuel, Viking Eggeling e Hans Richter.

         Um desses filmes é Berlim, Sinfonia da Metrópole (Berlin, die Symphonie der Grosstadt, Alemanha, 1927), de Walter Ruttmann (1887-1941), que viera da realização da série abstrata Opus (1922/1925).

         Antes, pois, do célebre filme Um Homem Com Uma Câmera (Cheloveks Kinoapparatom, U.R.S.S., 1929), de Dziga Vertov, mas já influenciado pelas ideias desse realizador soviético, Ruttmann dá à luz sua obra fundamental, que se torna também, automaticamente, um dos filmes capitais do cinema.

         O que prenuncia o título materializa-se em imagem de grande esplendor, em construção de extrema perspicácia cerebral, alta acuidade visual e apropriada montagem de movimentos de tão vibrante constância e sucessividade que captam e fixam o ritmo do século, que só o cinema possibi­lita em toda sua concreticidade e grandeza.

         O filme visualiza o pulsar da atividade humana na era 01 (zero um) da máquina, já que a era 0 (zero) deu-se no século XIX, numa demarragem que não tem nem terá fim, prefigurando ininterruptas continuidade, aperfeiçoamento e desenvolvimento, como o transicional século XX demonstrou.  Dificilmente será encontrável obra que traduza e transfigure em arte o cerne de seu tempo em sequência poética de figurações instantâneas do habitat construído até então pelo ser humano e de sua ativa inserção nesse contexto.

         A velocidade dessa sucessão em cortes rápidos e montagem célere aliada à articulada visão do artista resultam em primorosa súmula desse universo humano numa das grandes metrópoles do planeta.

         No filme ressaltam-se em iguais importância e intensidade a realidade material urbana e a ação e movimentação nela do ser humano, sem esquecer os instantâneos, com toda sua construção imagética, de alguns animais, inclusive em montagem contrastante com atos humanos.

         No primeiro caso, avultam as imagens do outrora mais veloz meio de locomoção terrestre, o trem, em perspectivas impressionantes, resultantes de enquadramentos de grande eficácia estética. Daí em diante sucede-se a exposição da metrópole que desperta suas forças vivas, abrangendo sem-número de situações e aspectos urbanos mostrados em tomadas adequadamente anguladas, por força do inteligente e artístico olhar do cineasta, construtor de uma poética não só da imagem, tão forte como a da palavra, mas de verdadeira poética da matéria.

         Só olhar desse quilate teria condições de empalmar, utilizar e direcionar os recursos da câmera e da montagem para configurar obra desse vigor e proporções, em que cada instantâneo e sua reunião e montagem atingem força estética proveniente de um poder e sofisticação raramente encontráveis.

         Enfim, em questão de imagem e montagem não há nada que já não esteja nesse filme ou que nele não se embase e inspire, e que não é apenas efeito da vanguarda, mas, a própria vanguarda. O filme não constitui, obviamente, ficção. Nem documentário. É imagem em movimento. Cinema, enfim.
*
         Além e independentemente de seu valor artístico, revela uma cidade diferente do estereótipo utilizado para explicar e justificar o progresso do país sob a posterior administração nazista. Numa pujança como aquela não há nada extraordinário nesse êxito, visto que representou o desenvolvimento natural que empolgação do poder e inteligente manipulação cristalizaram. Milagre mesmo seria esse grupo ter os resultados alcançados em países subdesenvolvidos. Na Alemanha que o filme mostra não é vantagem. Malgrado a derrota na Primeira Grande Guerra e o processo inflacionário dos anos de 1920, o país era, ao findar a década, o mais desenvolvido do mundo.

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, estudos brasileiros, história do Brasil e regional.


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

UM HOMEM COM UMA CÂMERA


Filmes Soviéticos Década 1920


A Mágica da Arte 


Guido Bilharinho 



Os anos da década de 1920 caracterizam-se como os de maior efervescência formal da história do cinema. Não que anteriormente, ainda nos anos 10, não se preocupasse com a arte cinematográfica. Ao contrário. Ao lado da tendência espetaculosa de Cabíria (Cabiria, Itália, 1914), de Giovanni Pastrone, e da síntese espetáculo-linguagem-montagem de Griffith, vicejaram correntes essencialmente estéticas, a exemplo do film d’art francês (Henri Levedan e Charles Le Bargy) e da vanguarda italiana (A. G. Bragaglia). 

Mas, é na década de 1920 que o desenvolvimento e amadurecimento dessa linha vanguardista assume grandes proporções, principalmente, na percepção e consciência do fenômeno cinematográfico. À evidência, como sempre acontece, por força do natural desdobramento e aprofundamento das experiências anteriores. 

Assim, sincronicamente com as teoria e prática da montagem desenvolvidas por Eisenstein, exercita-se a vanguarda experimental (Dulac, Duchamp, Man Ray, René Clair, Léger, L’Herbier, Ruttmann, Cavalcanti, Buñuel, etc.) e, ainda, a concepção do “cinema olho” exposta e efetivada pelo cineasta soviético Dziga Vertov em contraposição à filmagem ficcional estruturada em cima de trama dramática com utilização de atores, estúdios e décors ou cenários montados. 

Para ele, o cinema deveria ser a amostragem artisticamente elaborada de cenas e imagens captadas diretamente no cotidiano do ser humano e nas paisagens natural e construída por seu trabalho. 

Vertov, pois, opunha o gênero documentarista ao ficcional, não considerando aquele apenas uma das possíveis variáveis da materialização cinematográfica da realidade. 

Se o cinema comercial abastarda a vida, falsificando-a, e deturpa a arte, aviltando-a ou negando-a, o cinema como tal atinge proporções ilimitadas, permitindo - e só com isso viabilizando - mediante a construção e elaboração ficcional, atingir e expor o cerne da existência humana, como o faz a literatura, evidentemente apenas nas grandes obras, que o são justamente por isso, a exemplo, em seu próprio país, dos romances de Dostoievski e Tolstoi e dos dramas de Tchekov, Gorki e Gógol. 

Se, sob esse aspecto, a concepção de Vertov é restritiva, já em si mesma é do mais relevante alcance, não só na estruturação, enriquecimento e ampliação do documentário cinematográfico, como no descortinamento de novas possibilidades da câmera no plano estético. 

Seu Um Homem Com Uma Câmera (Cheloveks Kinoapparatom, U.R.S.S., 1929), é além de tudo, obra de arte, na qual a beleza da imagem contém a beleza do objeto que a compõe, bem como esta constitui aquela num ato simultaneamente temático e formal, em que um depende do outro para existir e se manifestar. 

A simbiose imagem-objeto e vice-versa processa-se no instante mesmo em que se perfaz uma e se evidencia o outro, criando realidade nova e autônoma que se concretiza e se mantém por força da técnica submetida à criatividade artística. 

O resultado dessa atividade configura-se em belíssimas visualizações de belíssimos objetos transfigurados esteticamente numa valoração que transcende seus contornos físicos e materiais. 

O olho da câmera, as tomadas, enquadramento e filmagem da matéria efetuam, técnica e artisticamente, a mágica da arte, que tudo transforma, perpetua, descobre e revela. 

As imagens (e motivos) do filme de Vertov contêm essa beleza transfigurada e transfiguradora. São do mesmo gênero das de Walter Ruttmann, em Berlim, Sinfonia de Uma Metrópole, de 1927, realizado antes, mas, influenciado pelas ideias de Vertov, consubstanciadas em Kino Glaz (1924), feito anteriormente à Berlim. 

Mas, vendo-se um lembra-se forçosamente do outro, conquanto sejam mais líricas e suaves as imagens (forma e conteúdo) do mestre soviético e mais vigorosas as do cineasta alemão. 

A destacar-se, ainda, no filme de Vertov, algumas rápidas superposições de imagens e outras experiências vanguardistas, a exemplo da montagem horizontalizada em duplo écran, diversamente de sua apresentação verticalizada e tríplice por Abel Gance, em Napoleão (Napoléon, França, 1927). 

Além disso, salienta-se a reiterada focalização dos bondes e, ainda, diferentemente de Ruttmann, a montagem alternada entre algumas situações fílmicas. Ou seja, não obstante documentarista, Vertov não resiste à montagem temática ao mostrar o desenvolvimento de ações humanas, mesmo que não articuladas e relacionadas com outras de igual natureza, com o que, então, ter-se-ia autêntica estruturação ficcional. 



(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba, 

Instituto Triangulino de Cultura, 2003) 


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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog https://guidobilharinho.blogspot.com.br.

Trajetória poética de Jorge Alberto Nabut



Guido Bilharinho - 18/02/2011


Nos fins da década de 1960, ainda estudante secundarista, Jorge Alberto Nabut (Uberaba, 1947) inicia percurso poético que o levaria nos anos e décadas seguintes a construir considerável e valiosa obra, vincada pelo inconformismo com o formulário gasto do fazer poético e caracterizada por forte poder criativo e vigorosa força expressional, contemplando variada e variável temática, submetida a processos inovadores.

O grande escritor, como todo grande artista, é aquele que instaura processo pessoal de expressão, contribuindo para enriquecer o patrimônio artístico universal e não se limitando, como é costume, a apenas utilizar e palmilhar as vias artísticas abertas e percorridas por outros, sendo, pois, não seguidor, mas inaugurador de caminhos.

É o caso de Nabut, que baliza sua performance poética por informação, consciência artística, esforço e persistência, logrando atingir estádio superior de inventividade e expressão e incidindo em pelos menos (e principalmente) quatro vertentes, desde o experimental e o visual aos textos poéticos, infletindo, no intermédio, pelo neobarroco, estendendo no tempo e no espaço criativos sua faculdade conceptiva libertária e inventiva, aduzindo à poética – aqui tomada em seu âmbito universal, e não apenas nacional ou local – modos procedimentais inéditos e distintos de experiências e experimentos de outros artistas, nacionais ou estrangeiros, constituindo criação e contribuição próprias para ampliação do fazer artístico.

Por volta de 1969, num primeiro momento, não meramente cronológico, que se entrecruza e, frequentemente, se mescla à enunciação articulada, elabora a série iniciada por Well-Gin x Ultra-M-Atic, que se distende por variada tematização integrada num corpus singularizado, demonstrando simultaneamente capacidade criadora aliada à utilização e síntese de vários elementos composicionais, a exemplo de fatos e pessoas da história local (“Almanaque-Gazeta” e “Historiador Kreponz”) e das estórias em quadrinhos, neste caso o próprio fio condutor da obra.

No desdobramento e amplificação dessa vertente, revelando flexibilidade mental e metodológica, concebe a obra-prima Branco em Fundo Ocre: Desemboque, poderosa síntese de inúmeras variáveis sistêmicas e autonomia formulativa, arrojada e amplamente exercitadas.

A partir do dado concreto, do itinerário-viajante ao próprio arraial, Nabut evoca e imprime poeticidade aos arcanos mais profundos que formam e informam toda a saga do histórico povoado, matriz da civilização regional.

E faz isso com surpreendentes e inéditas variabilidade e flexibilidade expressional e rítmica.

Num outro momento, após exploradas e formatadas as possibilidades gerativas experimentais e visuais até então utilizadas, inflete pelas sendas inesgotáveis de neobarroco mesclado de elementos variados, hauridos nas fontes puras de impressões pautadas e conduzidas pela sensibilidade e racionalidade.

No entanto, não foram essas manifestações suficientes a capitalizar e preencher talento inventivo inquieto e em permanente ebulição, sob cuja pressão vão-se quebrando as amarras e afastados os limites que costumam cercear os processos artísticos.

Nessa fase, expande-se por textos poéticos de considerável vigor expressional e complexa tessitura verbal, nos quais conteúdo, sentido e formulação atingem novo patamar conceptivo e expressional.

Toda essa riqueza poética construída em décadas de trabalho consciencioso e responsável, alicerçado no indispensável trinômio de informação, sensibilidade e criatividade, está, finalmente, reunida na requintada Geografia da Palavra, sua obra completa.


(*) Advogado atuante em Uberaba; editor da revista internacional de poesia Dimensão, de 1980 a 2000 (revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br), e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog guidobilharinho.blogspot.com.br

sábado, 30 de dezembro de 2017

O ENCOURAÇADO POTEMKIN

Filmes Soviéticos Década 1920


A Arte da Imagem

 

Guido Bilharinho

 
A Arte da Imagem

Antonioni afirmou que sua pretensão era escrever com a câmera (Fernando de Barros, “Michelangelo Antonioni Fala: Eu Ainda Escreverei Com a Câmera”, in revista Cláudia, 1964).
         Contudo, antes dele, em O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, U.R.S.S., 1925), Sergei Eisenstein (1898-1948), já o fizera. E tanto e tão bem, que o filme dispensa até mesmo as legendas, bastando, não para entendimento do espectador, mas, para sua informação, que se situassem os acontecimentos - verídicos - em tempo e espaço num texto de não mais de meia página no início do filme.
         Tudo o mais é e seria dispensável porque as imagens, sua combinação e sucessividade falam por si, exprimindo verdade e significado.
         Não é apenas a montagem que infunde vigor, energia e tom epopeicos ao filme, dos mesmos teor e intensidade ocorrentes na Ilíada. Tudo o faz. A montagem é seleção, junção e ordenamento das imagens. Em O Encouraçado Potemkin, antes dela, existem as imagens, que falam, mais do que mostram, por si mesmas. Pela beleza resultante de sua qualidade intrínseca, enquadramento, angulação e conteúdo. Pouco ou nada adiantariam os três primeiros atributos se não refletissem, na captação técnico-estética procedida, análogas propriedades em posicionamento, direção e interpretação (expressões fisionômicas e gestuação) dos atores e figurantes.
         Num filme em que tudo excede a perfeição, as tomadas e imagens encerram, isoladamente ou em seu conjunto, a máxima  possibilidade estética que se lhes pode infundir e extrair. Tudo é antológico. Não há meio termo. Um poema imagético como nunca se fez e talvez nunca se fará igual. Nem em A Paixão de Joana D’Arc (La Passion de Jeanne d’Arc, França, 1928), de Carl Theodor Dreyer, filme que em tudo o mais se lhe aproxima e cuja grandeza estética e cinematográfica Jorge Luís Borges não percebeu (ver “La Fuga”, in Borges em /e/Sobre Cinema, organizado por Edgardo Cozarinsky. São Paulo, Iluminuras, 2000, p.67), e ao qual Evaldo Coutinho opõe improcedentes restrições formais (in A Imagem Autônoma. São Paulo, Editora Perspectiva, 1996, p.39).
         A sucessão fática constitui o que de mais seletivo e concentrado existe, transfundindo e fundindo, num só corpo, conteúdo e forma, tema e modo.
         O encadeamento sequencial dos acontecimentos percorre a ordem cronológica, mas, é de seu cerne que é feito o filme. O descontentamento e posterior revolta da marinhagem procedem-se  internamente, como nebulosa que paulatinamente adquire consistência e forma, não sendo esta apenas sua exteriorização ou expressão, mas, seu próprio ser, como quer Fielding com a arte. Consolidada, a insatisfação apresenta grau superior de conhecimento da realidade, desencadeando-se face às violentas imposições superiores. Essa conscientização materializa-se em revolta, que, por sua vez, conduz a patamar mais alto de compreensão e percepção dos fatos.
         A receptividade manifestada pelo povo de Odessa, onde o encouraçado revoltoso atraca, confere à circunstância dimensão que lhe transmite não apenas adição de apoiadores, mas, novos e mais amplos conteúdo e natureza.
         Se o episódio da escadaria de Odessa é, em arte e não apenas em cinema, inexcedível, representando epopeia às avessas, já que derrota do povo e não vitória de um herói, o que nele se fez - e passa a existir - é nova visão da História, em que o povo, mesmo ou até por isso mesmo esmagado, converte-se de objeto em sujeito, porque não é o resultado da ação que tem validade e encerra significado, mas, a própria ação, desde que seja libertária e processada coletivamente. Nada existe mais importante do que isso: a permanente luta pela liberdade, igualdade e respeito humano. A evolução histórica, desde seus primórdios, após vencida a etapa inicial de sobrevivência e adaptação da espécie ao cosmo, não é mais do que a busca desses objetivos.
         A cena final constitui abertura para o futuro e o infinito, dizendo, em imagens, que a ação daqueles marinheiros não foi em vão. Como também a ação no mesmo sentido de qualquer indivíduo ou grupos de indivíduos. Ao contrário, somando-se, conduzem e transformam a sociedade.
         O Encouraçado Potemkin é síntese de fundo e forma, verdade e realidade, ação e liberdade, vontade e vitória, humanismo e arte. No mais alto grau de concepção e realização. É a beleza da imagem. Da imagem que fala e significa. Da imagem discurso, mas, antes de tudo, da imagem visão.
         Se o cinema é a arte da imagem em movimento, O Encouraçado é a arte da imagem. Não é apenas o melhor filme do cinema. É cinema. O que a maioria dos filmes nega pelo menos três vezes, como são Pedro a Cristo, na intenção, na concepção e na realização.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog https://guidobilharinho.blogspot.com.br./

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Filmes Soviéticos Década 1920

A GREVE
Engajamento e Arte


Guido Bilharinho

A Greve

         Pudovkin, em seu clássico Argumento e Montagem no Cinema (São Paulo, Editora Iris, s/d, p. 136), e Henri Agel, em Le Cinéma (Paris, Casterman, 1955, p. 85), citam, como exemplo de montagem simbólica, as cenas finais do filme A Greve (Stachka, U.R.S.S., 1924), de Sergei Eisenstein (1898-1948).
         Contudo, sob esse aspecto e essa pretensão, o cineasta russo não utiliza adequadamente a ideia. Pretendendo paralelizar e comparar a matança dos grevistas com a dos bois no matadouro, o apropriado seria mostrar, ao invés da morte de um boi e seu descarnamento alternado com o assassínio em massa dos grevistas, a queda de um boi após outro com idêntico revezamento. O efeito seria bem maior, já que a eficácia decorreria da sucessão, sincopada e sincrônica, da queda dos operários sob as balas assassinas com a derrubada de bois sob o guante do magarefe, pontuando-se o final com as centenas de cadáveres de operários de um lado e os corpos dos bois mortos de outro. O símile, no caso, é o tiro nuns e os golpes noutros com suas consequentes quedas ao solo. O descarnamento do boi, por demorado, não é impactante e nem estabelece analogia com os tiros e a queda dos operários, tendo função ou efeito contrário ao pretendido.
         Todavia, esse primeiro filme de Eisenstein já é obra do gênio, que, de filme a filme, só faz consolidar-se e aprimorar-se.
       A fotografia, os enquadramentos e angulações, a seleção de fatos da realidade cotidiana dos operários, o enfoque de pequenos animais e aves, o ritmo da imagem e a direção e interpretação dos atores formam ordenado encadeamento de cenas e sequências, dispensando até mesmo os letreiros que, desnecessariamente, funcionam, no caso, como títulos de capítulos, ou, às vezes, simples legendas.
         Por outro lado, não se pode negar que preside a realização do filme orientação maniqueísta imposta pelas circunstâncias de tempo e lugar. No caso, os operários vitimados são bons, puros. Os empresários maus, cúpidos e cheios de defeitos. Já o extremismo oposto, que domina as mentalidades e a visão da vida destes últimos, julga-os dinâmicos, trabalhadores, inteligentes e, por isso, ricos, enquanto que os operários são e continuam a ser operários por faltos de inteligência e, quando não, por pura malandragem. Ambas, visões unilaterais e distorcidas da realidade, que, todavia, não encobrem e nem disfarçam o mecanismo da exploração e apropriação do trabalho alheio.
         No mais, tudo leva a crer que um dos objetivos de Eisenstein é, paralelamente a mostrar e denunciar a exploração capitalista, incentivar a greve e a luta contra essa exploração. Contudo, além do filme não contribuir para isso, é-lhe, ao contrário, poderoso antídoto, já que a amostragem das consequências da greve (fome, desespero, assassínio em massa de trabalhadores), redunda no amedrontamento do operariado.
         É certo, porém, que a A Greve é realizado a partir da realidade nacional soviética de então, no sentido de mostrar a seus operários a exploração e a violência capitalistas, reforçando, assim, o regime. Constitui, pois, nesse sentido, obra engajada. Como, a seu tempo, os grandes afrescos das igrejas e a música sacra. Mas, como inúmeros desses afrescos e dessa música, esse filme também é artisticamente realizado, submetendo a mensagem à forma, sem o que nem configuraria arte. Por isso, uns e outros sobressaem e perduram muito além de seu condicionamento, projetando-se pelos séculos afora, como obras, certamente, perenes.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br)


terça-feira, 31 de outubro de 2017

Filmes Soviéticos Década 1920


OUTUBRO
A Arte da Realidade


Guido Bilharinho

Filmes Soviéticos 
Em 1927, no décimo aniversário da revolução soviética, Sergei Eisenstein (1898-1948), auxiliado por Grégori Alexandrov (1903-1983), realiza Outubro (Oktiabr, U.R.S.S., 1927) atinente à tomada do poder na Rússia pelos bolcheviques.
         Do ponto de vista puramente artístico e cinematográfico, é obra brilhante, como todas suas realizações. Salientam-se nela - pela extrema modernidade, agilidade e adequação - os cortes e a montagem.

         O estilo vigoroso de Eisenstein impõe-se desde a primeira tomada e prossegue até o final sem qualquer pausa. A angulação e o enquadramento são perfeitos, contribuindo, como tudo o mais, para dar ao filme ritmo frenético e vibrante, característica, também, de A Greve (Stacka, U.R.S.S., 1924) e de O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, U.R.S.S., 1925).

         Tais particularidades são tão fortes e pessoais, que qualquer indivíduo afeiçoado ao cinema, depois de conhecer um de seus filmes ou parte de um deles, tem condições de identificar, de imediato, sua autoria.

         Eisenstein, como nenhum outro, imprime à sua obra o tonus e o significado mais profundo dos fatos, transmitindo, por força disso, sua atmosfera e ambientação. Seu realismo não se limita, como usualmente ocorre, a captar apenas a realidade, mas, captando-a, em imprimir-lhe − mais do que exprimir-lhe − um sentido, que preexiste ao momento enfocado e persiste depois.

         As pessoas que desfilam, agem e atuam frente às câmeras não parecem representar simples personagens ou atores encarnando figuras de ficção, mas, os próprios responsáveis pelos eventos.

         Não se tem a impressão de se assistir a uma narrativa, a uma reconstrução ou equivalência dos fatos, mas, à própria realidade explodindo viva, presentificada, na tela. Assim, por pautar-se por acentuado grau de realismo, objetividade e verossimilhança, Outubro insere o espectador no vórtice dos acontecimentos, fazendo-o sentir-se como se os estivesse presenciando no momento em que se desenvolvem.

         O filme, por isso, não é documentário e nem configura ficção, inserindo-se num tertius genus, que apreende a realidade significante e significada, extrapolando os limites documentais de fatos apenas mostrados e a construção, normalmente livre, arbitrária e subjetiva, de entrecho ficcional.

         Se Eisenstein, tanto em Outubro, como nas demais obras citadas, se atém à impositiva faticidade, a ela acrescenta a criatividade do artista e, sem transfigurá-la ou mistificá-la, a constrói, muito mais do que a reconstrói, em toda riqueza de sua complexidade momentânea e simultaneamente histórica.

         Contudo, para conseguir erigir sua epopeia cinematográfica, sacrifica todo didatismo e repele qualquer esquematismo, pelo que só quem viveu os fatos ou deles já possui alguma informação está apto a acompanhá-los e entendê-los, nem que seja parcialmente.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando mensalmente desde setembro último um livro no blog: https://guidobilharinho.blogspot.com.br.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Jerry Lewis - Ator e Diretor


O BAGUNCEIRO ARRUMADINHO
E O PROFESSOR ALOPRADO
Os Meros Pretextos


Guido Bilharinho

Jerry Lewis - Ator e Diretor
Jerry Lewis, como Chaplin, foi ator e diretor. Como ele, iniciou a carreira cinematográfica sendo dirigido para, depois, auto-dirigir-se.

         Em ambos, há que se distinguir um do outro ou um e outro. Como atores cômicos ninguém os superou em suas épocas.

         Em Lewis, o contorcionismo corporal, versatilidade e adaptabilidade facial às situações e a flexibilidade comportamental atingem graus e momentos inexcedíveis.

         Em dois dos filmes que atuou, O Bagunceiro Arrumadinho (The Disordely Ordely, EE.UU., 1965), de Frank Tashlin (1913-1974), e O Professor Aloprado (The Nutty Professor, EE.UU., 1963), que dirige, aqui destacados exemplificativamente, essas características são facilmente perceptíveis, tanto quanto em outros filmes, com maior ou menor incidência.

         Mesmo descontando-se os efeitos especiais proporcionados pelo cinema, talvez mais do que em qualquer outro de seus filmes (como ator e/ou como ator/diretor), é mais notável em O Professor Aloprado sua versatilidade, extremada em tipos totalmente diferentes e antagônicos como do professor e de Buddy Love. Tudo que um não era e não tinha o outro não só apresentava como o fazia em grau acentuado. Presença, voz, aparência, atitudes, comportamento, desenvoltura, visão do mundo ou da vida, mostram-se tão diferenciados e antípodas que dificilmente poder-se-ia imaginar possível na mesma pessoa antes de se assistir a esse filme.

         Em O Bagunceiro Arrumadinho enfatiza-se sua capacidade de transformar os atos e funções comezinhos e de fácil desincumbência em acontecimentos inusitados quando não inauditos, amalgamando-se nessa atuação atributos interpretativos, conteúdo, forma e consequência de seu desempenho perfazendo interação tão absoluta quanto, em decorrência, perfeita. Como mágico que transforma objetos e corpos, Lewis altera os fatos, infundindo-lhes natureza distinta da que sua congenialidade impõe. Um mundo prático e ordenado transforma-se num caos, porém, como o título original indica, caos ordenado e, de tão ordenado, previsível.

         Em O Professor Aloprado, da mesma forma, modifica-se a natureza, só que, desta vez, do próprio indivíduo.

         Por sinal, tanto faz Lewis ser dirigido como dirigir-se, porque o destacável, antes de tudo, é sua performance.

         Porém, cinematograficamente, esses filmes, tanto quanto os demais, carecem de importância. Do mesmo modo que ocorre com Chaplin, apenas constituem espaço e possibilidade de suas exibições como atores cômicos, que, sem o cinema, seriam exercidas nos palcos de circos e teatros, como, aliás, percebeu um crítico paulista, anteriormente citado, Paulo Emílio Sales Gomes, em relação a Chaplin, no artigo “Chaplin é Cinema?”.

         Os filmes propriamente nada contêm de cinematográfica e artisticamente relevante ou mesmo irrelevante, visto que se situam fora dos parâmetros estéticos, por miméticos, convencionais e lineares, objetivando apenas divertir.
         Sua perfeição técnica, competência direcional e a utilização dos recursos da câmera não lhes imprime nenhum dos atributos que caracterizam a obra de arte, não obstante merecerem ser salientadas apenas como tais, sem outras implicações.

         Do ponto de vista temático também nada aduzem de importante, conquanto assimilem e dêem curso adequado, ainda que superficial, a certas contradições do dualismo da natureza humana (do bem e do mal, do médico e do monstro, perfilhadas em O Professor Aloprado) e das descobertas freudianas do recalque de traumas e suas consequências e a possibilidade de sua resolução com a libertação do indivíduo das amarras que o bloqueiam.

         Ambos os filmes assentam-se, todavia, em esquema romântico bastante idealizado, no interior do qual essas questões básicas da condição humana diluem-se por sua instrumentalização meramente pretextual.

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br/) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando atualmente no Facebook os livros Obras-Primas do Cinema Brasileiro e Brasil: Cinco Séculos de História.

sábado, 2 de setembro de 2017

Jerry Lewis - Ator e Diretor



MOCINHO ENCRENQUEIRO

Realidade e Comicidade


Guido Bilharinho


A comicidade de Jerry Lewis (1926-2017), ator e cineasta, advém da conjunção de dois fatores, que compõem distintos níveis estruturais de seus filmes.

           Um, a subversão da normalidade, que direciona a narrativa, imprimindo-lhe orientação precisa e coordenada visando extrair dos fatos a hilaridade ao interferir na sua articulação interna.

          Outro, sua performance como ator, implicando em desenvolvida capacidade histriônica e atilada percepção dos meios e modos corporais, faciais e comportamentais apropriados.

         Isoladamente, cada um desses elementos não produziria o resultado pretendido e alcançado, visto que as situações vivenciadas exigem ambos para agasalhar seus tipos e maneira de agir.

  Há, pois, perfeito entrosamento entre eles, num inter-relacionamento (personagem/acontecimento/comportamento) orgânico e organizado, estabelecido segundo as normas indicadas e ditadas pelas possibilidades pessoais de Lewis.

         Sem ele, as ocorrências expostas careceriam de comicidade, já que, além da mencionada adequação entre indivíduo/personagem/fato, as subverte, circunstância que, se inocorrente, também não atingiria o efeito pretendido.

         O filme Mocinho Encrenqueiro (The Errand Boy, EE.UU., 1961), que Lewis dirige e no qual atua, enquadra-se nessa fórmula, que se o é, decorre de criação própria que, por sua vez, atende e corresponde à sua faculdade de estar e se posicionar no mundo, categoria superior à simples representação ou ao modo peculiar de ser e agir.

         A ação transcorrida em grande estúdio cinematográfico hollywoodiano é sucessão ininterrupta de atos procedimentais subvertedores, que, alguns, refugindo à sua iniciativa por conter carga própria de comicidade (as duas cenas do elevador), mas que sem sua presença não seriam tão significativas e, certamente, nem seriam divertidas, como as milhares de cenas de elevador, se também não fosse a sina da personagem de atrair sobre si certas dificuldades.

      Nas principais situações de alta comicidade, algumas resultam exclusivamente de seu modo de agir (cenas dos pacotes, da entrega do roteiro de filme, do relógio de ponto, do manequim e do acompanhamento musical na sala de reunião da diretoria de estúdio), outras repartem-se entre sua atuação e a de outras personagens, cujos comportamentos também contêm doses de humorismo (o “almoço” na própria repartição e a venda dos feijãozinhos às crianças).

   A sequência do acompanhamento musical é antológica, revelando não só suas habilidades histriônicas como domínio dos ritmos musicais, permitindo esses elementos que se tenha uma das mais brilhantes cenas de pura interpretação, na qual a adequação e a sincronização gestual e facial de Lewis com o ritmo musical são perfeitas.

      À semelhança do ocorrente em outros de seus filmes, nesse acontecem também lances românticos alheios às influências jocosas, nos diálogos com os bonecos do palhacinho e da magnólia, que fogem inteiramente da ambiência fílmica, revelando outra (ou a outra) faceta da personagem.

      De todo modo, os acontecimentos fílmicos e a performance de Lewis não são cinematográficos, tendo valor próprio, independentemente do meio utilizado para sua consecução e expressão, podendo manifestar-se em palco de teatro, arena de circo, cena de rua ou estúdio de cinema, aplicando-se-lhe o que de Chaplin observou um crítico paulista, Paulo Emílio Sales Gomes, “Chaplin é Cinema?”. Mas, sem dúvida, o cinema não só os ampliam como infundem-lhes perspectivas de aproximação e movimentação inexistentes nos demais espaços.
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando atualmente no Facebook os livros Obras-Primas do Cinema Brasileiro e Brasil: Cinco Séculos de História.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

BLOG DA REVISTA DE POESIA DIMENSÃO

 Guido Bilharinho      

Revista de Poesia DIMENSÃO
A revista DIMENSÃO foi editada em Uberaba de 1980 a 2000, sendo lançados 30 números, alguns duplos. Sua digitalização pela então aluna Taís Iniz de Paiva em projeto do Curso de Letras da Universidade Federal do Triângulo Mineiro idealizado e coordenado pelo professor Osíris Borges Filho permitiu a presente disponibilização. Pelo poeta uruguaio Clemente Padín foi considerada, juntamente com a DOCK francesa e a TEXTURAS espanhola, uma das três mais importantes revistas de poesia de sua época.

   

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Primeiros Filmes de Júlio Bressane


MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA
Os Fios das Tragédias


Guido Bilharinho




         Os ficcionistas de modo geral, quando verdadeiramente artistas, mais do que representar ou recriar a vida, a criam em sua obra, aduzindo, como disse o poeta (Arici Curvelo, em “Às Vezes”), mais vida às existentes, engendrando novas realidades que se somam e expandem as realidades existentes.

         É o caso do filme Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane.

         Nele desfila série de dramas familiares desaguados em tragédias.

         A partir do drama dantesco do filho assassinar friamente e a navalhadas seus pais e, após, ir tranquilamente ao cinema, Bressane articula diversas ocorrências semelhantes, sempre nos limites da organização familiar e sempre, também, em cima da insatisfação ou da condição amorosa e sexual.

         A princípio poder-se-ia tentar ver nessa opção ficcional inspiração e influência das obras de Nélson Rodrigues que perfilham semelhantes preocupações.

         Nada mais diferente, porém.

         A começar que a dramaticidade bressaniana é altamente elaborada, tanto do ponto de vista concepcional quanto expressional, conforme binômio propugnado por Hegel.

         Ao contrário, pois, da obra de Nélson Rodrigues, confrangida quase sempre em estreitos limites conceituais, a de Bressane finca suas raízes nos arquétipos universais mais autorizados da criação artística – não de simples recriação, como dito – fundamentada na estrutura psicossomática mais profunda, geral e permanente do ser humano.

         E o faz mediante construção estética na qual a narrativa apresenta alto grau de sutileza, refratária à apelação usual no tratamento dessa temática.

         Se os protagonistas das estórias que cria perdem-se em atos violentos contra seus entes próximos ou contra si próprios, a motivação que os leva a essas atitudes drásticas – inimagináveis num contexto familiar – e a criação cinemática dos fatos não descambam para descontrole emocional patológico, mantendo domínio de seus elementos deflagradores tanto quanto das circunstâncias em que se desenrolam e das modalidades que assumem.

         Há um fio condutor comum a todas essas ocorrências, seja a insatisfação sexual e convivencial da personagem casada que se isola com a amiga em sua propriedade de recreio e lazer; seja a procura de satisfazimento sexual emocional da jovem com sua amiga; ou, ainda, o ambiente sufocante do lar do assassino dos pais e a constante irritabilidade de seu pai; ou, finalmente, o paroxismo revoltoso do marido relapso face às invectivas agressivas da esposa.

         Essa constante detectada em todos os episódios apresenta, no entanto, características próprias em cada caso, não obstante seu extravamento paroxístico e violento, condição ou peculiaridade da espécie humana quando submetida a graus diversos de pressão e contrariedades viscerais, nos limites e circunstâncias da formação e estrutura pessoal das personagens, como, aliás, nem poderia deixar de ser, já que todo ser humano constitui pequeno mundo que se articula, nos relacionamentos e convivências, com outros micro mundos semelhantes.

         Ressalta-se no filme, além disso, a economia da construção ficcional, sintetizando em poucas cenas a ambiência comportamental, convivencial e conflitiva das personagens, perfeitamente contextualizada.

         Por fim, o jovem que assassina seus pais vai ao cinema assistir Perdidos de Amor (1953), dirigido por Eurídes Ramos, com argumento de J.B. Tanko, película que possivelmente indica (a conferir) a chave ficcional (ou uma delas) do filme ora comentado.

(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2012)

______Matou a Família e Foi ao Cinema
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(Obras-Primas do Cinema Brasileiro:
toda segunda-feira novo artigo -

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica), História (do Brasil e regional).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

ENSAIOS DE CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA



                                                DE GUIDO BILHARINHO



Uberaba (livraria Lemos & Cruz, av. Maranhão, 1419) Outras Cidades (pelo e-mail
guidobilharinho@yahoo.com.br, mediante cheque ou vale postal para Caixa Postal 140 - Uberaba,
38001-970 - ou depósito CEF, Ag. 2854, c/c 01000101-2). Valor único: R$ 23,00 o exemplar.
O FILME MUSICAL
(de 2006 - 292 p.)
Análises dos principais musicais do cinema, a
exemplo de O Picolino, Os Sapatinhos Vermelhos,
Sinfonia de Paris, Cantando na Chuva, A Roda da
Fortuna, Cármem Jones, Sete Noivas Para Sete Irmãos,
Cinderela em Paris, Amor, Sublime Amor, Cabaret,
Hair, Fama e Chorus Line, entre outros.


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O FILME DRAMÁTICO EUROPEU




(de 2010 - 360 p.)






Análises de filmes dos cineastas René Clair, Jean Vigo, Jacques Feyder, Jean Renoir, Alain Resnais,Jacques Tati, Claude Chabrol, De Sica, Rossellini,Bertolucci, Ettore Scola, Carlos Saura, Almodóvar,David Lean, Carol Reed, Fritz Lang, Wim Wenders,Karel Reisz, Cacoyannis, Carl Dreyer, Lars Von Trier,Max Ophuls, Andrzej Wajda, Costa Gravas e outros.




O CINEMA DE BUÑUEL,


KUROSAWA E VISCONTI

(de 2013 - 292 p.)


Apresentação e análise das filmografias desses cineastas desde os filmes iniciais surrealistas de Buñuel, realistas de Kurosawa e neorrealistas de Visconti.
               

Uberaba (livraria Lemos & Cruz, av. Maranhão, 1419) Outras Cidades (pelo e-mail
guidobilharinho@yahoo.com.br, mediante cheque ou vale postal para Caixa Postal 140 - Uberaba,
38001-970 - ou depósito CEF, Ag. 2854, c/c 01000101-2). Valor único: R$ 23,00 o exemplar.