O
BAGUNCEIRO ARRUMADINHO
E O
PROFESSOR ALOPRADO
Os Meros
Pretextos
Guido Bilharinho
Jerry Lewis - Ator e Diretor |
Jerry
Lewis, como Chaplin, foi ator e diretor. Como ele, iniciou a carreira
cinematográfica sendo dirigido para, depois, auto-dirigir-se.
Em ambos, há que se distinguir um do
outro ou um e outro. Como atores cômicos ninguém os superou em suas épocas.
Em Lewis, o contorcionismo corporal,
versatilidade e adaptabilidade facial às situações e a flexibilidade
comportamental atingem graus e momentos inexcedíveis.
Em dois dos filmes que atuou, O Bagunceiro Arrumadinho (The Disordely
Ordely, EE.UU., 1965), de Frank Tashlin (1913-1974), e O Professor Aloprado (The Nutty Professor, EE.UU., 1963), que
dirige, aqui destacados exemplificativamente, essas características são
facilmente perceptíveis, tanto quanto em outros filmes, com maior ou menor
incidência.
Mesmo descontando-se os efeitos
especiais proporcionados pelo cinema, talvez mais do que em qualquer outro de
seus filmes (como ator e/ou como ator/diretor), é mais notável em O Professor Aloprado sua versatilidade,
extremada em tipos totalmente diferentes e antagônicos como do professor e de
Buddy Love. Tudo que um não era e não tinha o outro não só apresentava como o
fazia em grau acentuado. Presença, voz, aparência, atitudes, comportamento,
desenvoltura, visão do mundo ou da vida, mostram-se tão diferenciados e
antípodas que dificilmente poder-se-ia imaginar possível na mesma pessoa antes
de se assistir a esse filme.
Em O
Bagunceiro Arrumadinho enfatiza-se sua capacidade de transformar os atos e
funções comezinhos e de fácil desincumbência em acontecimentos inusitados
quando não inauditos, amalgamando-se nessa atuação atributos interpretativos,
conteúdo, forma e consequência de seu desempenho perfazendo interação tão
absoluta quanto, em decorrência, perfeita. Como mágico que transforma objetos e
corpos, Lewis altera os fatos, infundindo-lhes natureza distinta da que sua
congenialidade impõe. Um mundo prático e ordenado transforma-se num caos, porém,
como o título original indica, caos ordenado e, de tão ordenado, previsível.
Em O
Professor Aloprado, da mesma forma, modifica-se a natureza, só que, desta
vez, do próprio indivíduo.
Por sinal, tanto faz Lewis ser dirigido
como dirigir-se, porque o destacável, antes de tudo, é sua performance.
Porém, cinematograficamente, esses
filmes, tanto quanto os demais, carecem de importância. Do mesmo modo que
ocorre com Chaplin, apenas constituem espaço e possibilidade de suas exibições
como atores cômicos, que, sem o cinema, seriam exercidas nos palcos de circos e
teatros, como, aliás, percebeu um crítico paulista, anteriormente citado, Paulo
Emílio Sales Gomes, em relação a Chaplin, no artigo “Chaplin é Cinema?”.
Os filmes propriamente nada contêm de
cinematográfica e artisticamente relevante ou mesmo irrelevante, visto que se
situam fora dos parâmetros estéticos, por miméticos, convencionais e lineares,
objetivando apenas divertir.
Sua perfeição técnica, competência
direcional e a utilização dos recursos da câmera não lhes imprime nenhum dos
atributos que caracterizam a obra de arte, não obstante merecerem ser
salientadas apenas como tais, sem outras implicações.
Do ponto de vista temático também nada
aduzem de importante, conquanto assimilem e dêem curso adequado, ainda que
superficial, a certas contradições do dualismo da natureza humana (do bem e do
mal, do médico e do monstro, perfilhadas em O
Professor Aloprado) e das descobertas freudianas do recalque de traumas e
suas consequências e a possibilidade de sua resolução com a libertação do
indivíduo das amarras que o bloqueiam.
Ambos os filmes assentam-se, todavia,
em esquema romântico bastante idealizado, no interior do qual essas questões
básicas da condição humana diluem-se por sua instrumentalização meramente
pretextual.
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista
internacional de poesia Dimensão de
1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br/) e autor de
livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando
atualmente no Facebook os livros Obras-Primas
do Cinema Brasileiro e Brasil: Cinco
Séculos de História.