quarta-feira, 22 de março de 2017

Primeiros Filmes de Júlio Bressane


O ANJO NASCEU
Trajetória Bandida
Guido Bilharinho


Primeiros


Em plena fase do cinema marginal, Júlio Bressane dirige O Anjo Nasceu (1969/1973), para escarmento dos aficcionados e condicionados por estórias convencionalmente estruturadas e conduzidas, objetivando, elementar e infantilmente, divertimento e distração.
                   O Anjo Nasceu fixa momentos da carreira delituosa de dois marginais, ladrões e assassinos patologicamente constituídos, antecipando (ou sendo um dos primeiros) a focalizar esse tipo de psicopata amoral, insensível, desapiedado e monstruoso, para quem assassinar friamente seu semelhante é mero divertimento, exercício de poder e determinação homicida, que se sobrepõe e covardemente se aproveita de vítimas indefesas.
                   Bressane procura (e consegue) criar realidade fílmica tão ou mais eficaz que a realidade da vida, visto que, ao fazê-lo, imprime-lhe o sentido e o significado que geralmente passam despercebidos ao contato direto com o mundo real.
                   As tomadas e imobilização das cenas são, por isso, alongadas, quedando-se a câmera frente ao selecionado corte de realidade significante, cuja contemplação por si só constitui sua própria e analítica narrativa.
                   Não é, pois, filme agradável (no sentido negativo do termo) de se ver e de se assistir, já que expõe, revela e denuncia as deformações e monstruosidades da espécie sem disfarces e despistamentos, provocando asco e repulsa a frieza e a displicência assassina dos protagonistas, interpretados por Hugo Carvana e Milton Gonçalves.
                   Inúmeras cenas e sequências se destacam pela sofisticação imagética e pelo teor e significado que contêm.
                   Nesse caso, além de outras, a sequência final do carro disparado na estrada com Carvana gritando de dor em decorrência de ferimento na perna é de excelente concepção e efetivação, atingindo o clímax com a propositada persistência desse grito/uivo (in)humano.
                   Desaparecido o carro no horizonte da rodovia, permanece apenas esta, vista em profundidade sob esplêndida luminosidade e raros carros e sob os acordes da canção Peguei Um Ita no Norte, esta cantada e outras músicas apenas orquestradas, provocando impactante efeito estético, encerrando-se aí o filme, mas não a trajetória bandida dos protagonistas.


(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2012)

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(Obras-Primas do Cinema Brasileiro:toda segunda-feira novo artigo-





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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica), História (do Brasil e regional).